sexta-feira, 7 de setembro de 2018

[0052] Viriato da Cruz e a grande poesia angolana


Viriato Francisco Clemente da Cruz nasceu no antigo Porto Amboim em 1928 e faleceu em Pequim em 1973. Ligado que esteve com o Partido Comunista Angolano nos anos 50 do passado século, em 1957 foi para Paris onde, com Mário Pinto de Andrade, esteve na origem do movimento independentista angolano, participando (em 1960) na fundação do que veio a ser o Movimento Popular de Libertação de Angola, de que foi seu secretário-geral, que abandonou em 1962. Em choque com Agostinho Neto – que acusou de “desviacionista” –, foi expulso do MPLA em 1963, tendo sido preso e espancado pelos “netistas” em Leopoldville e depois em Lufungula. Fixou residência na China Popular em 1966, aderindo às teses da revolução cultural proletária chinesa, da qual se haveria de distanciar. Foi encerrado nos campos de trabalho de Pequim, o mesmo acontecendo à sua família, em consequência de que acabou hospitalizado e no hospital morreu muito fragilizado. Foi uma das muitas vítimas da “revolução cultural” maoísta, deixando um último escrito no qual, escarrapachando os nomes de alguns dos seus torcionários antigos companheiros de luta, se afirma: “Não está no meu poder perdoar os actos de felonia, de perseguição e de falta de camaradagem que aqueles senhores e alguns dos seus sequazes praticaram, não só contra mim, mas também contra um certo número de angolanos. Parece-me ser altamente importante que tais actos sejam, em todos os tempos, condenados em Angola como criminosos e desonrosos”. Em 1990, os seus restos mortais foram trasladados para Luanda e sepultados com todas as honras, sendo considerado um herói nacional. Para alguns, Viriato da Cruz terá sido o maior poeta angolano.


MAKÈZÚ

O pregão da avó Ximinha
è mesmo como os seus penos,
Já não tem a cor berrante
Que tinha nos outros anos

Avó Xima está velhinha,
Mas de manhã, manhãzinha,
Pede licença ao su reumático
E num passo nada prático
Rasga estradinhas na areia...

Lá vai para um cajueiro
Que se levanta altaneiro
No cruzeiro dos caminhos
Das gentes que vão p'a Baixa.

Nem criados, nem pedreiros
Nem alegres lavadeiras
Dessa nova geração
Das "venidas de alcatrão"
Ouvem o fraco pregão
Da velhinha quitandeira.

- "Kuakiè... Makèzú... Makèzú..."
- "Antão, véia, hoje nada?"
- "Nada, mano Filisberto...
Hoje os tempo tá mudado..."

- "Mas tá passá gente perto...
Como é aqui tás fazendo isso?"

- "Não sabe?! Todo esse povo
Pegó um costume novo
Qui diz qué civrização:
Come só pão com chouriço
Ou toma café com pão…

E diz ainda pru cima
(Hum... mbundo kène muxima...)
Qui o nosso bom makèzú
É pra veios como tu".

- "Eles não sabe o que diz...
Pru qué qui vivi filiz
E tem cem ano eu e tu?"

- "É pruquê nossas raiz
Tem força do makèzú!..."

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