quarta-feira, 22 de agosto de 2018
[0003] Saudade para Pessoa, o Fernando
CARTA DE SAUDADE AO AMIGO FERNANDO PESSOA
Nuno Rebocho
meu caro fernando: ainda me lembro
do charro que bailámos no atelier
- arrastavas-te com o pesado arreganho dos cartazes
e a minha mente era tômbola até eu dizer
nunca mais. eu tinha o entusiasmo das verduras
mergulhado na tabacaria mas recusei
atirar-me da janela como vítor fez
quando te descobriu (deixou recado: já não há
mais nada para dizer). entretanto passaram
oceanos e os dias incharam de velhice
(confesso, álvaro: estou velho) mas continuei
pronto para viver olhando o mundo
embora incapaz de fazer o pino: e vieram
outros amigos (o tzara, o apollinaire,
o manuel maria, o drummond, o craveirinha, o vário)
que por aqui passaram
e agora confraternizam contigo
no lugar das coisas
- suponho que não desistiram de escrever poesia
(os poetas nunca desistem). quando eu aí chegar
quero ler esses poemas e escrever convosco
um cadáver esquisito. daqui levar-te-ei chocolates
para adoçar as bocas amargosas das vergonhas
com a metafísica da esperança e contar-te-ei
como os teus direitos autorais enricaram
familiares que te chamavam pobre diabo
e nunca te leram antes de saberem
que as gerações te amavam. depois leram-te
e fingiram perceber.
ah, fernando: rir-te-ás deste mundo.
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Dou boas-vindas e auguro longa vida ao Ibn Mucana, do Poeta Nuno Rebocho.
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