Professor, animador cultural, aguarelista, poeta e escritor, obteve o Prémio D. Dinis de 2005, o Prémio de Poesia Luís Manuel Nava de 2008, o Prémio do PEN Clube Português de Poesia de 2010 e o Prémio Autores de 2014.
Considerado um dos maiores poetas e escritores transmontanos, coloca-se à margem de movimentos e escolas.
Foi director da Casa da Cultura e da Juventude de Vila Real e de “Tellus – Revista de Cultura Transmontana e Duriense”
Considerado um dos maiores poetas e escritores transmontanos, coloca-se à margem de movimentos e escolas.
Foi director da Casa da Cultura e da Juventude de Vila Real e de “Tellus – Revista de Cultura Transmontana e Duriense”
UMA TOUPEIRA NA CALÇADA
Vi uma toupeira na calçada.
As toupeiras não se dão bem em calçadas
– elas que têm no solo arável o seu habitat –
mas aquelas estava ali inexplicavelmente.
Uma aventura que acabou mal,
pensei para comigo.
A toupeira extraviada na calçada
esbracejava (se assim se pode dizer)
como um náufrago que não tem bóia nem tábua.
Tentava refugiar-se na terra
a que pertencia. Mas, desfavorável,
a pedra não se deixava fender das suas unhas,
tal como a água se não deixa nadar
do desespero do náufrago
que não tem tábua nem bóia.
Estava-se mesmo a ver como a coisa ia acabar.
Enquanto tivesse forças, a toupeira,
embora perplexa daquele lugar hostil,
continuaria sempre a esbracejar,
arranhando em vão a pedra da calçada.
Depois, algum gato havia de passar por ali
(há sempre um gato que passa ‘por ali’)
e daria o remate apropriado
a esta história sem história.
No fim de contas, uma toupeira é um rato,
não é verdade? (Pergunta o gato.)
Meditando na sorte da toupeira,
enquanto o gato ainda anda por longe,
ocorreu-me então que a calçada
podia muito bem ser um espelho
e a toupeira naufragada
a nossa imagem reflectida nele.
Toupeira em calçada todos nós.
NEBLINA
Um dedo a bordo aponta
a neblina sentada, sustentada
sobre o topo do monte.
O céu está todo azul, com excepção
daqueles trapos brancos, como roupa
de alguém que passou por uma planta
com espinhos e não se acautelou.
É uma espécie de água altaneira,
evadida do rio,
que ora entremostra ora esconde
fragadas, pinhal, terra
arroteada.
Sim, concedo,
é muito sugestivo.
Mas, cansado de pairar
nestes transes de lirismo
que me escaldam sem me purificar,
prefiro a água propriamente dita:
água com peso,
esta boa água, sólida, palpável,
que, poupando-me a pele,
me humedece as entranhas
(para não falar dos olhos,
mas isso é outra história)
- e à flor da qual se repete
a neblina do monte.
Ou não fosse o rio um espelho
antes de rio.
INVERNO
Nove meses de inverno...
chamais a isso inverno a esse lúdico
intenso cívico síncrono calor
à límpida presença de Cristo regressado
por um dia aos presentes ao fogão de sala
chamais a isso inverno Augusto Gil
comovido por dentro das vidraças inverno isso
a aguardente as filhós o baile de fim de ano
e então
à teimosa assunção ao denso e destituto
desfavor aos corpos nus à chuva ao suão
à nortada devassando enxergas corações
à geada nos ossos nas orelhas dos pezinhos
de criança aos traços miniaturais – mas lá fora
ao lume apagado à cinza fria e remexida
à deserção do pão à arca exausta à talha descorrida
à roxa e trágica novena que chamais?
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