terça-feira, 29 de dezembro de 2020

[0723] Carlota de Barros oferece-nos mais um poema, desta feita sobre os tempos de chumbo de hoje e uma nova esperança


UM JARDIM NOVO


À transparência de um pôr-do-sol dourado

que avisto neste momento da minha janela

embalada que me sinto pelo brilho de um sonho

de gestos fantasiados em jardins maravilhosos

a minha alma exulta e inventa novas maneiras

de enfrentar o real em que continuo a sentir-me

náufraga de um navio sem rumo


Numa procura incessante de novos gestos redentores

sinto o coração suspenso enquanto o desconhecido cresce

alucinado    enchendo o ar de incertezas e de tormento


Nessa busca contínua   a minha alma vai subindo com o vento

procurando novos caminhos   novos sonhos   um jardim novo

que chegará   mesmo que na agitação das horas   dos dias   

das ondas do mar   dos corações suspensos e das almas

que vivem hoje solitárias   amedrontadas   sem sonhos


Mas hoje chegou o sonho de todos    em carros escoltados de alegria e emoção

e as almas de inquietos gestos   pálidas de medo   no vazio da solidão

baloiçam agora de alegria   com o vento e as aves do céu pelas planícies

onde o sol brilha    dourando o ar como um poema de amor consentido


Um novo jardim   lírios azuis   rosas amarelas   novos sonhos escorrendo 

como a luz da Esperança que agora navega por mares de ondas mais calmas 

enquanto  as almas com gestos claros e serenos  dançam com delícia 

sua imensa alegria agitando os espaços   em silêncio  de regresso à claridade


Carlota de Barros

Lisboa, 27 de Novembro de 2020



segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

[0722] Poema da poetisa cabo-verdiana Carlota de Barros dedicado ao seu patrício Teobaldo Virgínio

Carlota de Barros



Natural da ilha de Santo Antão, Teobaldo Virgínio Nobre de Melo nasceu em 21 de Maio de 1924 e faleceu em 2020. Aposentado, viveu com a família nos Estados Unidos da América do Norte, mas o rol das suas profissões incluiu a de pastor evangélico, poeta, ficcionista, director da revista "Arquipélago" (EUA) e colaborador em outros órgãos de imprensa como "Presença Crioula", "Morabeza", "Revue Noire", "Notícias do Imbondeiro" (Angola) e "Coluna do Norte" (Brasil). De temática cabo-verdiana, a sua fonte perene, publicou, em prosa e verso, cerca de uma dúzia de volumes. Convidado pela Câmara Municipal da Ribeira Grande, na qualidade de filho da Vila da Ponta do Sol, para as festividades do Dia do Município/2010, recebeu das mãos do seu presidente, Engenheiro Orlando R. Delgado, a Placa Comemorativa do Evento com que foi distinguido.

POEMA SAGRADO                                                   

(ao poeta e amigo Teobaldo Virgínio)

                       

                       A luz branca

que se 

desprende 

das violetas 

abriga 

um segredo


a borboleta

orando pela nuvem

faz emergir

o poema da

verdade sagrada


                  também ela sagrada – a borboleta


                   o poema sagrado

abandona a gaveta excêntrica

do poeta

caminhando

pela nuvem

sem encontrar poiso

sábado, 12 de dezembro de 2020

[0721] Luís Palma Gomes oferece-nos um lagarto vistosamente emplumado

A PLUMA


"E como voam os pássaros?",

 perguntas.


Se as pontas enquistadas

dos teus dedos

afagassem com volúpia

a primeira pluma do lagarto,

saberias.



[0720] Ricardo Jorge Claudino regressa ao nosso convívio com mais um belo poema, "saudosamente" rural

ALDEIA


Vinte e cinco casas

três ruas

duas travessas

o largo da igreja

o sino que toca, de hora em hora,

descansa na madrugada silenciosa.

Há sons que caminham

pelas estradas não alcatroadas,

de terra batida, de calçada.

O eco desafia a velocidade do som

e repete-se, repete-se, repete-se

até que as velhinhas entendam

à segunda ou à terceira vez

a vida citadina dos seus filhos

que o sonho desfez.

Aqui o céu está mais perto da terra — Tão perto, que a nossa voz se perde

por tão longe que quisemos ser.