sábado, 30 de março de 2019

[0613] Mais um café com Nicolau Saião, desta vez acompanhado por Max Ernst

Relembrando Max Ernst, grande pintor e poeta.

Nicolau Saião
Pintura de Nicolau Saião


A MORTE NO JARDIM


Hoje os pássaros não cantam como dantes
nem as portas batem como antigamente

nem os gatos, que tanto amavas
como dantes vagueiam no lar dos homens.

Partiste
e algo terminou, que não era
simplesmente o teu vulto de príncipe renano
traçando a rota primordial
ou apenas
a tua boca sussurrando nas planuras encantadas
les hommes n’en sauront rien.

Foi aqui que tu morreste, Max
nesta rua portuguesa onde as crianças brincam
neste pátio de casa provinciana a que as plantas conferem
a dignidade e o medo
a beleza interior de algo humilde que se evoca
foi bem aqui
nesta Cidade Inteira
repleta de inocência e de amargura
neste Café que se alonga como se quisesse devorar o espaço
neste quarto alugado onde os amantes se encaram
como se se vissem pela primeira vez
nesta praia policiada pela maldição das pátrias
neste silêncio
neste espanto
nesta ignomínia.

Alguém um dia desenhará nas paredes derruídas
o coração escondido da tua Ninfa Echo
com o ar de quem volta de uma grande viagem
com as mãos humildes e já serenas
sem que ninguém lho impeça
Algum dia, no doce recanto duma madrugada
alguém entenderá porque sabias tu que é bem real a Vila Petrificada
e então será possível o caminho até ao mar
e os homens saberão finalmente
qual a melhor mais bela delirante floresta
guarida para os cavalos e os animais nocturnos
E que será na penumbra das ruas desse mundo
onde cantamos, comemos, bocejamos, padecemos
que a alegria submersa se haverá de descobrir
paciente e subtil como uma estrela abrindo
sobre uma antiga casa.

Há gente que fala, dizias tu. Há gente que fala
mas as palavras sabem a azebre e a limalha
e a tristeza e o remorso percorrem-nos os ombros
como um pedaço de um qualquer metal maldito
pois a cidade violenta devora a sua própria cauda
como se fosse ainda existir centenas de anos.

É nas coisas reais que morres em cada minuto.

Neste pedaço de pão a que uns dentes ofereceram um sinal de fogo
nesta janela aberta como se aqui tivesse sido posta para um acto teatral
neste incrível Abril de vozes sonolentas
chamado muitas vezes a ultrapassar o tempo
É aqui que tu morres com as palavras por companhia
em cada hora de desespero organizado
nas vagas caravelas sulcando o mar oculto
para as ilhas para os momentos para os sonhos.

Não morreste pela razão das armas
como essoutro teu irmão Garcia Lorca
nem te foste pelo postigo octogonal
que Jacques Rigaut escolheu lucidamente
partiste, apenas partiste como um fruto demasiado maduro
como um ovo que se quebra no minuto habitual
como uma cama revolvida pelos espasmos da solidão
e que já nada dará  nunca mais   a quem a abriu.

Por isso Max para ti não tenho mais que um olhar longínquo
ou um breve uivo de raiva à altura do coração
para a tua fresca libertação
para a tua máscara e para o teu cinzel que soube construir
e desconstruir de seguida
todos os Napoleões do Deserto
mas mesmo assim dói
e persiste
porque ficámos mais sozinhos ante a solenidade e a ganância
e não mais nos dirás que a vida reside no segundo degrau.

Porque quase ninguém tem a coragem de brincar
como tu a sério dizias defronte ao teu chemin mistérieux, debaixo
da tua eternité des mondes
nós continuaremos com os nossos frágeis cigarros
lançando o fumo da nossa dor revoltada de encontro às sombras
que já se vêem surgir no tempo
do derradeiro arrepio
como um tremor na montanha distante
no mundo que permaneceu

nesse teu universo adivinhado
tantas vezes sonhado, no plenilúnio

pintado e escrito. 
                                                                             ns
                                                                   in “Escrita e o seu contrário”
                                                      

Pintura de Max Ernst

sexta-feira, 29 de março de 2019

[0612] Cafés e café, em memorial de Nicolau Saião, homem da casa, neste blogue, também café de grandes convívios

Jean Paul Sartre no Café de Flore, Paris
OS CAFÉS

“Um Café é o lugar onde podemos arruinar-nos, 
enlouquecer ou cometer um crime” – Vincent van Gogh

“Um Café tanto é um continente perdido 
como um lar encontrado” – Lord Alfred Jelly

Eles são territórios de solene aventura
com seus nomes diversos e pacatos
com seus nomes soberanos de antiga submissão:
Cafés do nosso mundo interior e exterior
a lembrar-nos o tempo, a liminar memória
tão conhecida e próxima, nocturna e singular.

- o Café onde um dia contemplámos o cerne
de que nos construimos: os Cafés da cidade
toada familiar
a que não se resiste
e por vezes nos muda a rima cá por dentro
setentrional como um cântico sob o luar de Fevereiro
seja só para a bica ou para maiores rumos
da primordial viagem:
o Facha e o Central, peculiares estações
onde li quer as opacas ordenações perfeitas
de Maurice Scève, Bulgakov, Antonin Artaud
quer a fulgurante linha de terra criada
por René Char e Nerval
- ainda não existia nessa altura a incisão deste silêncio –
pelas tardes de Verão, com amigos à mesa

(o Donato Faria, acompanhado
pelo Par Lagerkvist por dentro da cabeça
ou o Drago longilíneo que depois deu em romancista
ou ainda o Arnaldo, que tinha um pai polícia
o que é sempre matéria para odes
próprias ou alheias)
prolongados em conversas donde surgiam segredos
anos e anos depois
inteiramente sentidos.  Cafés
como o Alentejano, substância de possibilidades metamórficas
e por isso tendo a ver com os proverbiais sete pontos
de orientação europeia
ou o Tarro das elegâncias funéreas
de magistrados, professores, lojistas finos
ou ainda o Luso, onde se viam geralmente o pernalta
e o seu irmão contabilista
o rico ou o obliquamente pobretana, o estudante e o doutor
e outros
negociantes dos arredores da existência e demais vilas.

Quantas vezes
na orla insubmissa das noites comigo mesmo
foi neles que senti, olhando os rostos em torno
o faiscar repentino das descobertas diárias
que a seguir se dispersam e vão por todo o lado
como redondas andanças dum sentir universal
e portanto bem nosso.  As manhãs

repousadas, um contínuo pulsar
de entradas e saídas
porque sempre a tal nos ligam alegrias e tristezas
se adolescentes somos ou já adultos olhamos
os retratos do passado e o barulho do futuro.

Os meus Cafés existem muito para além de mim
nesta terra, naquela e naqueloutra ainda
- Cafés de Portalegre, um Café de Madrid
onde li as palavras que Bergamín escreveu
a traços largos numa parede, entre desenhos
de companheiros já idos ou simplesmente fuzilados,
o Café de Leiria (como se chamava a menina dos petiscos…?)
que tantas vezes acolheu com bondade comercial
a minha estranheza de militar por acaso
lá na mesa do fundo, com muitos anos a vir
e a abalarem p’ra diferentes latitudes
ao recordar com afecto as refeições a crédito
do fraternal patrão e as viagens p’ra casa.
Um Café de madrugada, sito em Ciudad Real
onde fomos comer churros, acompanhados
por canecões de chocolate a escaldar, mas mais propício
que um discurso de alcalde ou señoria. Um Café
rumorejante de Paris
onde tentei encontrar resíduos de poetas báquicos e resistentes
e em troca – we never know – quase fui engatado por uma londrina
que certamente nunca estivera na Rua da Junqueira
onde habita a última imagem de Café que frequentei
antes de passar à peluda.

Cafés, entidades secretas de tessitura incessante
em vós se pode
sentir o amor passar numa figura desfocada
entre outras coisas que passam, cintilam e logo após
se dissolvem entre ruas calcorreadas e planetas
ano atrás de ano divisados
- um de cada lado da mesa, construindo
o imenso mistério que em nós pode habitar
e trocamos como um eco enquanto mastigamos
às vezes com manteiga, às vezes com mostarda

as lembranças da vida e as sandes de fiambre.

                                                                                   ns
                                                                      in “Escrita e o seu contrário”

[0611] Novo livro de Nuno Rebocho, com a chancela da Rosa de Porcelana Editora



sexta-feira, 15 de março de 2019

[0610] Aires Almeida Santos, uma voz angolana


Aires de Almeida Santos nasceu no Chinguar em 1922 e faleceu em Luanda em 1992. Em Luanda foi preso em 1941, voltando a ser preso anos mais tarde fazendo parte do “Processo dos 50”. Recebeu o Prémio Nacional da Cultura em 1989. Integrou a chamada “geração de 50” da cultura angolana.


SEM TÍTULO

Estórias que o vento trouxe
ouves?
não ouves
o que o vento, lá fora,
está a contar
às buganvílias?
há mais de uma hora
que o estou a escutar

ouviste
o que disse agora?
e que triste
que ele está…

diz ele
que o manuel
há quase dois dias
que anda no mar
e a ximinha,
coitada,
desolada,
sentada
na praia
a chorar
e a rezar
e a esperar

quando ele largou
no “bom dia”
o mar era um lago
e parecia de aceite…
mas, depois
cresceu,
enraiveceu
numa calema tremenda
e toda a praia de tenda
tremeu

partiram-se as armações.
viraram-se as embarcações
e toda a gente se escondeu,
assustada

só a ximinha,
coitada,
ficou sentada
na praia
a chorar
e a rezar
e a esperar

hoje de manhã
já a calema amainara
e não se vira ainda
o “bom dia”
a entrar
pra fundear
na baís


POEMA PARA MINHA FILHA

Para ti, querida,
Rosas e mel
E estrelas rutilantes.
Muita ternura e carinho.
E o Sol
Brilhando muito
Em frente ao teu caminho

Deixa comigo o fel,
A dor, o desespero.
Deixa que eu fira a pele
Nos ásperos abrolhos
Da vida.

Deixa chorar meus olhos,
Deixa comigo
O peso do sonho tão antigo.

Para ti, querida,
Paz, amor, ternura,
Estrelas rutilantes.
Rosas e mel...

quinta-feira, 14 de março de 2019

[0609] Carlos Pimentel, poesia angolana pioneira


Carlos Frota Tendinha de Pimentel Teixeira nasceu Namibe (antiga Moçâmedes) em 1944 e faleceu em Luanda em 2016. Integrou a chamada “geração de 50” que, nesses anos, animou a cultura de Luanda. Foi membro fundador da União dos Escritores Angolanos e da Academia de Letras de Angola.


SALFABETIZANDO

Sentado no chão
rabiscando no pó
um grupo escutando
sentado no chão
um grupo escutando
rabiscando
com o dedo
com um pau
sem papel, e sem lápis
um grupo
salfabetizando


PIONEIRO VENCEDOR

Doido me chamaram
sem loucura, sou criança
nas trincheiras
na fome, tomando homem
no combate, ensinado

Doido me chamaram
sem loucura
aprendi
cortando o espaço

ganhei
morrendo no tempo

e sobrevivo
nas trincheiras
africano

pioneiro
sempre pioneiro vencedor

quarta-feira, 13 de março de 2019

[0608] Nicolau Saião, de regresso


De regresso a Ibn Mucana, Nicolau Saião envia mais três poemas. Sempre o acolhemos com alegria.


CIDADE

E ele pensou: hoje serei uma cidade
e depois serei uma árvore nessa cidade
e depois  ainda  um esquecimento
numa rua e num recanto de um pátio.
E quando essa cidade tiver figuras
de pessoas e de animais
pôr-lhe-ei ainda mais figuras
que se olharão entre elas e se reconhecerão

E desaparecerão pouco a pouco

para que fique apenas uma amargura
e muitos risos desconhecidos


MAGNÓLIA

Naquela terra não havia magnólias. À beira dos caminhos
nos jardins e nos pequenos vasos de flores dentro das casas
as mulheres e os floristas cultivavam aspidistras
rosas-chá, malmequeres e pequenos bolbos de tulipas vermelhas.
Um namorado, certa vez, colocou na botoeira um girassol.
Meninas dos colégios assustavam-se e, correndo pelos parques
faziam esvoaçar contra a luz candente da tarde pequenas flores campestres.

Então, um dia, apareceu na cidade um hortelão
que num pequeno cesto tinha um pano multicolor
sobre algo que não se conhecia.

Uma jovem destacou-se de entre os demais e disse-lhe
qualquer coisa em voz sumida. E o hortelão
olhou-a longamente.
E depois principiou a andar devagarinho.
E na rua começou a espalhar-se uma penumbra que de repente
todos perceberam que iria doravante ficar ali para sempre.   


GRANITO

Um poeta pode durar sei lá 80 anos
Há mesmo alguns que duram noventa anos                                             
Por seu turno uma mesa de madeira   dessas vulgares
dessas com um tampo de tábua que as boas donas de casa procuram
sem sucesso que fiquem menos rugosas
- e de repente um rasgão de luz o perpassar duma lâmpada
um traço de vela que alguém acendeu no escuro
devolve-lhe o seu perímetro real de pinho decepado
de pobre utensílio ou de superfície usual -
Mas dizíamos nós  aí vinte trinta anos
aí uns setenta se for bela usança de uma casa afastada?

Olhei e vi: um muro nem mesmo bem cuidado de
granito
(palavra que contém não apenas o simulacro exterior
de matérias geradas pelo interior da terra
mas também o que se sente ou se adivinha ou que
se desejaria fazer frutificar: e é a mancha
de qualquer líquido por exemplo    a água
mas nunca azeite ou vinho  ou até mesmo mercúrio
o sólido cruzando o seu contrário
enigma)
apenas pedras sobre pedras naquele campo a anoitecer.

E um arrepio correu-me dos dedos aos olhos.
E nada mais perguntei a mim mesmo.
E nada mais desde esse momento quis saber.
Disse para mim: granito.
Disse para mim: é então este o granito.
E olhei de novo em volta como se de repente

uma emoção anónima terrível singular me tivesse alcançado.

terça-feira, 12 de março de 2019

[0607] NUNO REBOCHO, POEMAS DE TERÇA-FEIRA (23) Nuno Rebocho, viajante de mundos


Nas suas peregrinações pelo mundo, o autor relata assim a sua chegada à Córsega: um dos poemas do seu livro “A Ilha de Amianto”.


O PLANETA INVISÍVEL

o planeta invisível. a bruma come
o tempo mas a bexiga natatória dos sentidos garante a realidade. à tona das rugas
(quando, onde) onde o silêncio silfa
como olhos na barriga da memória descubro a confusa mancha
das coisas por acontecer. aos poucos,
no jeito de desarvorar roupas,
a montanha sacode a névoa.
a ilha poisa sobre o mar.

o planeta visível. permanece a ausência quando os olhos se atarefam na manhã. olhos que iniciam a timidez dos gestos
e definem missões para os momentos. por exemplo: além uma cidade, um monte. além o casario arrepela-se de lixeiras
e as gaivotas triunfam sobre os restos. esta é a ilha. os contornos encerram nítidos
os olhos das ausências. então, o silêncio guardado nas orelhas uiva como apelo.
a ilha descobre-se. e o mar acaba.

[0606] Nicolau Saião regressa

Três poemas de Nicolau Saião que está de volta e em boa forma.


ÁGUA

De corpo
Onde acabas e recomeças
De terra
Onde é teu o perfil incompleto
De fogo e ar
Onde exultas e te revolves
Do que dentro existe e cessa
Do que de fora brota

Daquilo que nunca te encontrará
Do que é pequeno e amplia o mundo
Do que jamais se perdeu

Do que se sabe e repousa
Do que não se encontrou

Do que morre
Do que é silêncio e claridade
Do que é mais que um sangue

Um puro momento feito
Entre ti e o teu reflexo inerte.


SORRISO

Como pode entender-se
sua firme estrutura
de momentos e coisas
para esquecer   lembrar? Participa das cores
(amarelo  vermelho)
com que o nomeiam
e também da incerteza
com que o olham. Antecipa verdades
antepõe-se a mentiras
e serve de desculpa
como serve de enleio. E faz inda esquecer
o tenso  o trémulo
sinal do dia
no rosto de quem já
a noite teme.
Imaterial, tão breve
e tão distante
- mas o peso de séculos
nele mora: um sorriso de quem
conhece o tempo
que pelos anos vai
com sua mágoa junta.

A voz que o justifica
sem que o encene  o talhe
para que sempre exista

em toda a face humana


RESISTÊNCIA

Não apenas a música
mas o som
o ruído que envolve 
o oculto grito

Não o nome somente
mas vestígio
o timbre recordado de seu
espaço

Não apenas figura
mas silêncio
silhueta ou contorno
na memória

Não o medo ou o azougue
sobre esta carne morta

Mas um vívido traço
ainda que incompleto

Mas singeleza como
um corpo inconformado.

[0605] De novo, Jorge Velhote


Jorge Velho regressa a Ibn Mucana. É sempre bem-vindo.


POEMA

O teu corpo aparece e desaparece
com a velocidade do ar
num incêndio. Ou num eclipse.
É a solidão de um homem.
sentado diante do mar. E perguntas:
O que vê ele na escuridão da noite
se chove intensamente?
E aguardas que na garganta
se dissolva o que não encontras.


POEMA

É nocturna a paciência
incendiando a noite e frágil.
Nos teus pés crescem ravinas e raízes –
sombras enterram na tua pele
animais indecifráveis.
Rasgas com os dedos o céu
e procuras como nos versos
uma nuvem um pouco de vento
o lugar onde começa o destino
da água.


OS GATOS DE MINHA MÃE

Os gatos da minha mãe caminham
sobre as margens das coisas simples.
Não vão à praia. Sinalizam
a preguiça invadindo silenciosos
o regaço das visitas. E escutam,
privilegiados, obscuras conversas
sobre desnecessidades ou
invasivas devassas alheias.
Olham soberanos o nosso
olhar onde passam
obrigatórios como sombras
ou luz – e quando regressam
com passinhos de veludo
dos seus desvairados lugares
traduzindo a nossa ignorância
instauram a evidência, o conhecimento
fortuito, os limites imputáveis
à ternura com que, sedosos
e felinos, se deixam afagar.
Apenas não arborescem.

segunda-feira, 11 de março de 2019

[0604] Gloria Gabuardi, a voz da resistência nicaraguense


Nasceu na cidade de Manágua em 1945. Advogada, pintora e poeta, Gloria Guabardi é secretária executiva do Festival de Poesía de Granada, Nicarágua. Viveu no exílio no México e na Costa Rica durante a ditadura somozista. Foi Assesora das Comisiones de Derechos Humanos y de Justicia da Asamblea Nacional em diferentes épocas. 


DESCIFRANDO LOS ENIGMAS

Yo he sido vendaval en noche cerrada
jinete en guerra de lunas
he tomado varias veces la mano del mundo
y guardado en un puño el asombro y el silencio.
Con Odiseo he oído el cantar de las sirenas
he visto partir los barcos, subir las mareas
y atracar en costas peligrosas
entonces me has hecho desdibujar mi brújula
tragarme el mar y sus profundidades,
naufragar  mis amaneceres
detener la lluvia que tiñe mis pestañas
levantar murallas con el alma en pena
entregar la plaza y detener el tránsito de los sueños
embrujados con las húmedas raíces de mi historia
oyendo el tic tac de un reloj de arena
que me hace sentir  un desasosiego, 
tejiendo y destejiendo sueños
por las tardes, noches y madrugadas frías.
Ah¡ tengo el alma desnuda
saliendo y entrando por la ola de los sueños
descifrando en la arena los enigmas que me envías
¿Por que rendija de la luna me miras y me observas?
Se que me recorres una a una, tuquito por tuquito.
Cada parte de mi cuerpo
Y se detienen de nuevo los sueños
en este camino que los lleva al naufragio,
y enderezo solitaria el  barco 
que vuelve de nuevo a surcar el infinito.
Suéltame las alas, suéltame las lianas
déjame ser árbol plantado sobre el lecho
déjame ser bruja , maga con pociones y  embrujos,
déjame ser trampa para tu regocijo
para poder ir y volver arisca en tu memoria.
Mira mi barco que navega solitario.
Traéme de nuevo el mar,
oigamos el choque de las olas,
el secreto de los pájaros de la montaña mágica
lee  de nuevo las líneas de mis manos,
 baila conmigo desnudo
ven extiende tus manos
deposito en ellas los secretos de la noche
el misterio del mundo
la profundidad de la oscuridad
y mi alma con la música del llanto.


REINO DE PALABRAS

Quiero tener un reino de palabras
o un río de palabras
que arrastre la desdicha humana
que haga raíces en mi alma
y la transformen en Argonauta
Quijota de los mares de la fantasía
valiente soñadora de la Libertad..
Un reino de palabras
que me haga trastocar
el movimiento de los pájaros en sus ramas
y que me transmita el color de una estrella
el olor del viento
la espiritualidad de la pasión de los hombres.
Un reino de palabras que me haga conocer
al ser humano, los mares y los astros
para juntar mi alma con mi cuerpo
y así complacer mi carne.

Quiero un reino de palabras para mi alma
como quiero una Patria inmensa para mi corazón
libre como la soñamos todos.
un reino de palabras que me seduzcan
y que se desgranen entre mi lengua
como laberinto de perlas
en un atardecer de mi Patria.
Un reino de palabras o un rio de palabras.
que se desborde y arrastre todo lo que encuentre
que sea fuego fatuo entre mi boca
pasión devoradora de mis sueños.
Que me encandile los labios
que me entregue las llaves de la imaginación
de las islas de los colores y las especias
Amboina, Banda, Ternate y Tidore
con sus baúles, sus tragedias y sus aventuras
en el mar del llanto de Vespuccio y Magallanes
Y,  que para detenerse ante mí,
solo baste, que me iluminen tus ojos
o el temblor del umbral de un sueño
para manchar la página en blanco.

   
SOY LA SANGRE DE TU SANGRE

A mi padre, quién muchas veces fue
encarcelado, torturado y dado por
desaparecido, durante la dictadura
somocista.

Me despertó el ruido de la lluvia
el vuelo presuroso de pájaros huyendo       
la luz fuerte de un trueno en la distancia
y tu mano en mi frente diciéndome: tranquila, tranquila.
Era hoy, ayer, cuando estaba niña?
Soñaba o estabas conmigo padre mío?
Te oía cansado, como cuando te dio el infarto
Pasé horas con mi mano en tu corazón
que aún siento palpitar
como si fuera el corazón mío.
Pienso en mi vida con fiereza,
en mi historia, en el mundo de los míos,
te veo en cada partícula de viento
con la certeza cierta
de que siempre estás conmigo.
¿Te acuerdas de cuando en compañía de mi madre
te visitábamos en la cárcel?
Cuando te buscábamos por meses, de cárcel en cárcel,
y no aparecías , y nos decían no te tenían,  que estabas desaparecido?
Que días aquellos tan tristemente tristes……
y cuando te liberaron , que te desmayabas a todas horas
y gritabas aterrado por las noches
y había que detenerte porque te levantabas de la cama
y corrías despavorido, queriendo huir de algo o de alguien
y había que inyectarte y se pensó que habías enloquecido?
Es que las torturas de la tiranía
volvían y hacían guiñapos a los hombres
y ponían en sus manos las vidas hechas pedazos
como un espejo roto que de pronto vio el mar
y se tiró al vacío.
Te acuerdas cuando vos loco de susto
me fuiste a buscar a mi primera manifestación de protesta
por el asesinato de los estudiantes del 23 de julio?
Era el primer o segundo aniversario  no recuerdo bien,
llegó la guardia y con bombas lacrimógenas y culatazos
deshizo la manifestación.
Tendría yo unos quince años?
Y de pronto te vi en medio de la multitud
buscándome, llamándome a gritos
aterrado, miedoso de que me hubiera pasado algo.
Como te entiendo ahora que tengo a mis hijos.
En esos tiempos lo que hiciste me dio mucha vergüenza,
me escondí, te dejé solo y hoy que lo recuerdo
pienso que no he podido olvidarlo nunca
y se me acongoja el corazón
y me hace querer atrapar el tiempo con el puño,
retroceder, cambiar la historia
deshacerla con furia animal y tirarla al vacío
partir la noche de mis recuerdos
como en una fiesta con piñata ,
desbaratarlos y desnudarlos totalmente
que se queden como en un altar de pueblo
como estación de tren vacía
llena de fantasmas.
Perdóname, Perdóname, Perdóname
escucha el réquiem de mi alma compungida
el galope , el trueno, el latigazo
de mis tímpanos rotos
ante el canto fúnebre de los pajaritos
no me despiertes con tu silencio de sombras
apapáchame, dame un beso, abrázame, háblame papá
soy la sangre de tu sangre
que persigue desde su historia
el ruido de tu corazón entre sus sueños.

sexta-feira, 8 de março de 2019

[0603] Marta Leonor González, uma expressão da Nicarágua, visita-nos de novo

Marta Leonor González, escritora, jornalista e poeta, foi directora fue la directora de La Prensa Literaria do Diario La Prensa de Nicarágua. Dirige o sitio: https://400elefantes.wordpress.com/  e a editorial 400 Elefantes. 


REVERSO

“¡No le puedo gritar, no le puedo seguir!
Su barca empuja un negro viento de tempestad”
Gabriela Mistral
No te duele mi muerte
te duele la flor que se cae moviendo el rocío del aire
te duele la liebre y lloras en la foto
te duele la ardilla en el árbol
hartándose las almendras
juguetona imagen para tus ojos
nunca vista ni experimentada,
es como acariciar el durazno
orgasmo que te recorre el cuello y baja a tus dedos.
Qué belleza tendré para que mi muerte
no te estremezca entre agujas rompiéndome las venas
frente a unos mugrosos pañuelos, sin inmutarte
por esos ancianos come uñas y los perros hambrientos
sedientos entre el asfalto que beben de los charcos.
Lo sé, ahora por tu silencio, te gozas dando de comer a los cerdos.


EL QUE ACOMPAÑA

A Sandor Dolmus
Los niños asoman sus rostros
lo miran como el joven cardenal
vestido de túnica roja listo para la liturgia
él yace en su cama eterna
encajes y edredones improvisados
es ahora su féretro
fue antes de abatirse la mañana
El Papa Niño que llevó los cirios, el incienso y el Misal
el monaguillo que bebió del cáliz el vino a hurtadillas
el escolano que acompañó a la madre a comprar frijoles
acolito de Zaragoza y camarógrafo de una lumix
que retrató perros callejeros y avenidas coloniales
el que anduvo sobre el techo de la iglesia
miró el volcán Momotombo y quiso escalarlo
mojó sus pies en las aguas del Lago Xolotlán
es hoy el chavalo muerto por un disparo.
La frente no suda la caminata a diario
hasta el Colegio San Ramón
en el campanario su rostro
no asoma con encantamiento la hermosa
vista que le regala el firmamento
la tarde cayendo sobre la plaza
los novios que en la banca de un parque
se dicen secretos al oído entre risas
el vende globos coloridos
y una nube de palomas que mancha el azul celeste.
En la glorieta unas colegialas que simulan comprar dulces
lo esperan a la salida de la misa
hoy despiden con asombro y tristeza
su cuerpo rígido, pálido besado por la muerte
la muchedumbre viene a su adiós
en la imponente Catedral de la Asunción
Donde descansa el poeta
custodiado por un León de mármol que lo llora
como al monaguillo que es despedido
con lágrimas, responsos y cantos
joven príncipe de los humildes y desamparados
un organillo deja una nota de ausencia en los corazones dolido
la madre que plancha y lava las casas de los opulentos
está ahí para separarse del hijo
en el último minuto pensará que es un viaje con retorno
la muerte del resucitado le trae promesas
y se aferra a la pila bautismal
deseando ser ungida por una esperanza renovada
dones que una madre nunca recibirá
porque el poder de la resurrección no está dado a las mujeres
en aquel momento antes enjuga el rostro del joven en sigilo
con aceites de azahares y jazmines
con algodones que guardará como reliquias en días de Semana Santa
con canto aprendidos por los indios de Sutiaba
le besa los pies, le corta un mechón de pelo
le reza hasta agotarse,  dormirse sobre el cuerpo
que es piedra e indiferencia.

quinta-feira, 7 de março de 2019

[0602] Miguel Rego, mareante de vontades


Nascido em Lisboa em 1963, ex-jornalista, historiador, arqueólogo, escritor e poeta, integrou a equipa do Campo Arqueológico de Mértola, foi consultor das Câmaras Municipais de Barrancos e de Castro Verde, coordenador da Fundação Serrão Martins.


LAMPEDUSA

Lampedusa, abismo da noite, penedo inerte da
madrugada crua que não dorme… Chamas-me pária,
emigrante, migrado, negro, preto, coisa, porque me
navego cambaleante no mar azul de gelo e sal, de
noite e fome, de espanto e medo. Tu meio deitada,
meio sentada, no lectus de mármore e prata, de
 esmeraldas e granadas, onde comes e vomitas e
vociferas e adormeces para acordar lívida no dia
seguinte e na mesma posição. O que evocas com o
meu nome pouco me importa… Eu apenas procuro
a manhã clara e eterna da palavra liberdade, levado
nas asas do mais simples desejo que trago na mão da
infância e que encerro com toda a força que tenho:

acordar, abrir a janela e deixar o sol apagar a
penumbra terna daqueles que amo!

Tu, só me ofereces ausência.


NAUFRÁGIO

As águas separam-se onde mergulho, naufrágio
ardente, na procura de uma constelação que me
esconda na noite.

E aqui fico, e aqui perduro, como calcário talhado na
praça em pleno fulgor do dia.

À minha volta olhos, bocas, braços, figuras mágicas,
títeres que bracejam no flanco das palavras
procurando o sim e o não esgueirando-se entre o riso
e o choro, vomitando o odor dos corpos na flor da
matinada, o escopro rasgando na rocha o tempo
onde todos os homens regressam.

E nos passos de lava onde respiro o aroma da brisa
salgada, só cai a indiferença, como silencioso rugido
vertido por animais selvagens.


ESPERANÇA

Quando abrires os olhos e sentires a tarde a morrer na
boca estia, olha as pedras que preenchem a
espaços os teus passos e atropelam o teu caminhar
titubeante. Repara que para lá das asas do medo
frémito desse andar esmagado contra um muro
surdo, há dois braços acenando com um lemço
arrancado à garganta nua e rouca, aos cabelos
enlouquecidos nas areias incendiadas de uma
qualquer praia ignorada.

Invade então a noite com uma orquídea branca na
mão e baila, baila, baila, inebriante, nos labirínticos
cabelos de uma mulher.

Verás que o entardecer é o princípio da noite
inacabada.

[0601] Contemplar o templo da arte no tempo da ação

Ana Tinoco e Francisco Weyl (Carpinteiro da Poesia) apresentam amanhã, 8 de Março, às 18H00, na Galeria O Museu, integrada na exposição colectiva “A Apologia da Crise” (de artistas-pesquisadores da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto), o projecto “Com - TEMP (l) O/Ação Com - TEMP (l) O /Ação (do EXERCITOgum), Contemplar o Templo da Arte no Tempo da Ação” . 




quarta-feira, 6 de março de 2019

[0600] Evocação de Ana Hatherly em Setúbal

É inaugurada a 8 de Março, sexta-feira, às 18h30, na Casa d’Avenida Galeria, Museu de Arqueologia e Etnografia (Avenida Luís Todi, 286, Setúbal), e aí estará exposta até ao fim do mês, uma evocação de Ana Hatherly feita por Irene Buarque, André Gomes e Fernando Aguiar, com vídeo de Isabel Carlos e Ana Hatherly, sendo os poemas musicados por Gabi Buarque.



[0599] Ana Horta, dois poemas


Ana Horta nasceu em Lisboa em 1975. Poeta.


SEM TÍTULO

Estou sentada no limiar da casa
Inteira e magra
A rua abre-se no vidro cheio de reflexos
Tecidos por aranhas diurnas
Anoitecendo
Seguro o quotidiano quieto
Como um bicho de asas frágeis entre os dedos
Um pássaro de porcelana viva tinge a manhã
Do ocre da parede imaginado abre-se um esgar de humidade
O sorriso de uma velha ausente
Ou o caminho deserto descendo
O gato jaz no centro inavegado da sala
Dentro dos meus ossos faz imenso frio
Já só poderia segurar uma violeta nas mãos descarnadas
E atrás de mim uma amiga nua
Um sonho desenrolado
No papel roto da parede


ARTE POÉTICA

Sono
Abro o olho silente da palavra
As coisas monologam infindavelmente consigo próprias
Opacas com o halo vaporoso do meu sono
Reconduzo as palavras ao seu lugar mais ínfero
Mas deixo-as sujas de terra: inteiras
Esse é um desenho pleno, rugoso,
Um desenho de barro e cal em que nos sabemos
Sem nome
Entre as linhas
Esse pequeno toque
Sombreação ligeira da mudez
Um cavalo desenha-se no vidro fosco do meu sonho
Mas não lhe sei o corpo
Isso
O flanco
Era já só pressentimento lasso da mão
Dor
Talvez memória côncava de pele
Mas ainda…pertença
O vácuo dos dedos aflige o futuro inteiro com o interior opaco do animal
E este era o momento presente

[0598] Inácio Rebelo de Andrade, a lavra das palavras


Nascido no Huambo, Angola, em 1935. Professor universitário, sociólogo, escritor e poeta, membro da Sociedade de Geografia de Lisboa e da União dos Escritores Angolanos, foi um dos fundadores da colecção “Bailundo”. Licenciado em Agronomia e doutorado em Engenharia Agronómica, foi consultor da UNESCO. 


A DOR MAIOR DE UM CONTRATADO

Não é durante o dia,
naquela imensidão de cafeeiros,
quando granjeia a terra
com outros companheiros;
não é quando se alaga de suor,
porque o sol brilha lá em cima
e abrasa a roça inteira de calor;
não é então que sente
a dor maior de estar ali.
Não é, não é...
Em cada dia do contrato,
muito pior
do que o suor
e a pele a arder;
muito pior
é quando a noite chega de repente
— e daqueles que amou,
que estão no quimbo àquela hora
(lembra-se bem de todos, um a um,
a mulher, mais os filhos que deixou),
não ter nenhum
junto de si...

segunda-feira, 4 de março de 2019

[0597] NUNO REBOCHO, POEMAS DE TERÇA-FEIRA (22) Rebocho, um incansável viajante


Nos seus périplos pelo mundo, o autor viveu a Páscoa andaluza e vibrou com o seu especial ambiente, apesar de ser, por tradição e formação, um afirmado ateu.


NOITES ANDALUZAS

1. 
vai a morte calçada de trinta pés
e cerzida no choro das viúvas -
ela vai a molhar-se mais de chuvas
que de cruzes ou de incensos ou de fés.

como um clamor sobre um soluço de clarinetes
a morte destapa-se do suor dos cansaços
com que a transporta a raiva de trinta braços
com que a desejam na batalha mil ginetes.

vai a morte. lá vai lenta e roxa
ondulada e lenta quase coxa.
atrás vem a voz e vem a virgem
e um coro branco: a cor da origem.

passo a passo o lamento alcança
a semente que desperta em regaço verde:
é o senhor da morte que caminha e balança
sobre pés sem limites a própria sede.


2.

abandonaste a morte entre as oliveiras
onde os grãos da primavera humedeciam:
as culpas zelavam e pariam solteiras
com as dores amarelas que os olhos escureciam.

em cada etapa a vida era vinho novo,
goles de alegria que as gargantas assolavam.
na vida todas as mortes todas se apagavam
e trôpegas de tão fartas envileciam.

e as bocas? as brasas cantavam e despertavam
em ocos murmúrios de grossos rios
que nas ruas com traves de silêncios se barricavam
dos assaltos das paixões nos olhos claros;

morria então a morte em tanto vício e canto
que o baile adormecia. que já era vida a morte
e era sal o sol com rouco espanto
da noite que no dia mergulhava e esmorecia


3.

(o jardim dos perfumes)

atiro o problema para trás das costas
mas as macieiras descobrem-me: sou a sombra
e o murmúrio. e se calço as alpergatas do silêncio
sobra-me o espanto. por então falo
das coisas corriqueiras que me acontecem
- ou o tépido beijo da morte
a limpidez das madrugadas sóbrias
os olhos dos planetas que escurecem
ou a morte súbita dos rios amarelos.