quinta-feira, 20 de setembro de 2018

[0158] Mário Máximo revisitado


Nascido em Lisboa em 1956, foi vereador da Câmara Municipal de Odivelas, tendo sido responsável pelo Teatro da Malaposta e pelas Bienais da Cultura Lusófona realizadas em Odivelas. Escritor, guionista, poeta e diseur, honra-nos com a sua revisita a este portal.


SEM TÍTULO

Estou a reescrever as minhas literaturas. Falo no plural
pois que existem muitas literaturas. E nem todas vivem só de palavras escritas.
Viver em literatura é uma forma de tudo verbalizar.
Reescrevo, logo reexisto. Mesmo quando não há tinta, caneta ou papel.

Se admiro uma paisagem: estou a escrevê-la.
Se amo o corpo de uma mulher é escrevendo-o que o faço.
Afinal, e apesar dos equívocos, tudo é literatura
mesmo quando, dormindo, em sonhos nos expandimos.
Ou não serão os sonhos uma outra espécie de literatura?

Literatura é uma palavra universal
que atravessa os tempos pois sempre existiu mesmo quando o não sabíamos.
Mas literatura projeta-se no futuro e está a encontrar-se como outra realidade
em cada novo amanhecer ou em cada nova emergência crepuscular.

Tudo é literatura. Tudo: é o conjunto de todas
as literaturas. Comecei o poema dizendo que estou a reescrever
as minhas literaturas.
Claro: que outro ofício é o de quem vive?
Que outra missão a de quem reescreve…revivendo?


SEM TÍTULO

Encontro de luas ao fundo de um beco qualquer.
Um beco onde as nossas sombras ainda são desconhecidas.
Os dedos ficando com o sabor dos caminhos corporais do amor.
Os dedos das nossas quatro mãos de espanto e agitação.
Encontro de luas ao fundo de um beco qualquer onde o piano
que ouvimos fica muito longe pois todas as paisagens
dos rumos de paixão ficam longe, longe de mais.
Agora que passou a agitação maior observamos que passa
o esvoaçar negro e inteligente de um corvo.
Não falamos de amor, nem levantamos sentimentos
com nomes de coisas difíceis dentro das nossas bocas
excessivamente puras de erotismo, de sombras e loucuras
carentes de definição. Encontro de luas ao fundo de um beco
qualquer. Sem mais nada. Mesmo sem mais nada para além
de respirarmos vida a oxigénio puro. Nada nem ninguém
nos condenará. Somos uma espécie de luzes acesas na noite
das profundezas, dos corpos aluados, encontro de luas, sim,
ao fundo de um beco qualquer…

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