Nascido em Lisboa em
1956, foi vereador da Câmara Municipal de Odivelas, tendo sido responsável pelo
Teatro da Malaposta e pelas Bienais da Cultura Lusófona realizadas em Odivelas.
Escritor, guionista, poeta e diseur, honra-nos com a sua revisita a este
portal.
SEM TÍTULO
Estou a
reescrever as minhas literaturas. Falo no plural
pois que existem
muitas literaturas. E nem todas vivem só de palavras escritas.
Viver em
literatura é uma forma de tudo verbalizar.
Reescrevo, logo
reexisto. Mesmo quando não há tinta, caneta ou papel.
Se admiro uma
paisagem: estou a escrevê-la.
Se amo o corpo
de uma mulher é escrevendo-o que o faço.
Afinal, e apesar
dos equívocos, tudo é literatura
mesmo quando,
dormindo, em sonhos nos expandimos.
Ou não serão os
sonhos uma outra espécie de literatura?
Literatura é uma
palavra universal
que atravessa os
tempos pois sempre existiu mesmo quando o não sabíamos.
Mas literatura
projeta-se no futuro e está a encontrar-se como outra realidade
em cada novo
amanhecer ou em cada nova emergência crepuscular.
Tudo é
literatura. Tudo: é o conjunto de todas
as literaturas.
Comecei o poema dizendo que estou a reescrever
as minhas
literaturas.
Claro: que outro
ofício é o de quem vive?
Que outra missão
a de quem reescreve…revivendo?
SEM TÍTULO
Encontro de luas ao
fundo de um beco qualquer.
Um beco onde as nossas
sombras ainda são desconhecidas.
Os dedos ficando com o
sabor dos caminhos corporais do amor.
Os dedos das nossas
quatro mãos de espanto e agitação.
Encontro de luas ao
fundo de um beco qualquer onde o piano
que ouvimos fica muito
longe pois todas as paisagens
dos rumos de paixão
ficam longe, longe de mais.
Agora que passou a
agitação maior observamos que passa
o esvoaçar negro e
inteligente de um corvo.
Não falamos de amor,
nem levantamos sentimentos
com nomes de coisas
difíceis dentro das nossas bocas
excessivamente puras de
erotismo, de sombras e loucuras
carentes de definição.
Encontro de luas ao fundo de um beco
qualquer. Sem mais
nada. Mesmo sem mais nada para além
de respirarmos vida a
oxigénio puro. Nada nem ninguém
nos condenará. Somos
uma espécie de luzes acesas na noite
das profundezas, dos
corpos aluados, encontro de luas, sim,
ao fundo de um beco
qualquer…
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