sexta-feira, 26 de abril de 2019

[0643] Gisela Ramos Rosa, uma moçambicana em Lisboa


De seu nome completo Gisela Maria Gracias Ramos Rosa, nasceu em 1964 no Maputo, Moçambique. Licenciada em Relações Internacionais, antropóloga, ligada a grupos periféricos em sociedade. Vive em Portugal, perita forense no Ministério da Justiça. Foi galardoada com o Prémio Glória de Sant´Anna de 2014. 


SEM TÍTULO

Levem-me, digo às palavras que me acolhem
não esperem pelo pensamento que tolhe e conduz
a expressões reguladas e contraditórias. Abram-me
a porta do verso que é frente em simultâneo gesto.
Levem-me pelo verso até ao poema e suprimam
a gramática que corrige e diferencia. Escrevam-me
sem mapa sempre que puderem e sem que eu dê
conta desse imenso gesto


SEM TÍTULO

                    À minha mãe, a todas as mulheres da Terra

As raízes da Terra dançam na pele
do mundo, elas sobem descem, procriam
são prismas iluminados que desbravam
alimentam conciliam
Elas tocam o chão com pés de água
e não repousam na ambição
do húmus, em seus grãos prosseguem
já os troncos com asas de destino,
altas elevam-se num corpo de tesouro e mistério
As raízes da terra são espelhos de água
que atravessam os rios num leito de silêncio
são canoas com jacintos da estação
elas são a alegria côncava do mundo


SEM TÍTULO

Escrevo para sarar a asa ferida da origem
e num movimento de dança liberar o impulso
da imagem incompleta com afecto
venho a esta casa reconhecer o fogo onde
construo voos serenos que trago na percepção
dentro do espaço, um espelho de íntima sombra
na claridade de um instante
e porque à memória não devo o sacrilégio
do fogo roubado, encontro a flor inesperada
da montanha no momento em que tudo se toca
ainda que na outra asa surja a cumplicidade
dos pássaros embriagados pelo fogo da rota
as mãos abrem e sagram o invólucro branco
que me guarda
e volto ao entendimento da pele, em certos dias
em que o fogo irrompe em transparência e isso
bastará para abraçar com subtil afago todos
os signos da bondade

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