quinta-feira, 11 de abril de 2019

[0622] Arlindo Barbeitos, a força da poesia angolana


Nascido em Catete em 1940, estudou em Berlim Ocidental e foi professor universitário no Lubango. Entre 1961 e 1978 lutou pelo MPLA contra os portugueses, depois de ter fugido de Luanda.


AMANHECEU

amanheceu
quem diria
que inda agora hoje era ontem
e que cacos ao longe não iam ser olhos de bicho
quem diria
que patos-bravos mergulhando não eram jacarés
e que lagartos azuis iam a quatro patas
quem diria
que bosta de elefante não eram pedras
e que guerrilheiros antigos iam pisar a sua mina
quem diria
que o professor cismando não era surdo
e que os alunos não iam falar a sua língua
quem diria
que a moça do Muié
que inda agora era virgem logo já não é
quem diria
que inda hoje era ontem
amanheceu


SECAS

secas
as palavras despegam-se
das coisas e da gente
como pele de cobra
em tempo de muda
esvoaçando
ao de leve
elas se amontoam
nos escombros
que
a saudade
arruma
gélida e atónita
paira pelos corredores
do vazio
e solidão dos homens
secas
as palavras despegam-se
das coisas e da gente
como pele de cobra
em tempo de muda


SEM TÍTULO

no tempo
em que as pacaças entravam
pelos povoados
o vôo alvoraçado das perdizes
carregava sonhos
que
a mãozinha inerme de criança
feliz
agarrava ao lusco-fusco dos muxitos
no tempo
em que as pacaças entravam
pelos povoados

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