terça-feira, 4 de dezembro de 2018

[0468] Fernando Esteves Pinto, uma voz independente


Nascido em Cascais em 1961, Fernando Esteves Pinto obteve, em 1990 o Prémio INASSET Revelação de Poesia. É um dos cofundadores do Sulscrito (Círculo Literário do Algarve) e editor da “4 Águas”.


POEMA

Este é o muro da angústia e do horror.
A ele te encostas quando a vida se expõe à morte
e nenhuma razão serve de prumo para alinhar a piedade ao erro.
A memória da tragédia ao extermínio humano.
Tensas imagens em transe: uma devassidão do espírito.
Sagrados crânios transformados em colmeias: 
empatias do destino.
Uma geografia de sapatos retendo a sua marcha 
a um passo do fim. Regiões de ventos em extensos cabelos: 
uma harpa imortal na sua harmonia. 
Relógios e ouro e óculos que se amontoam 
como vermes incrustados nos ossos da história.
É uma indústria da tortura que consagra a matéria.
Outras vidas que ninguém sente.
E só Deus acumula a herança de tanto sacrifício.


SEM TÍTULO

No quadro de René Magritte chovem pessoas na tua vida.
São criaturas negras, biografias tumultuosas a dominar a vertigem.               
Uma precipitação que faz desmoronar o medo.
Também tu crias o teu próprio movimento
e cada impulso é uma linha fulminante.
Um dilúvio de vidas humanas numa paisagem demente.
Arte soturna e severa que ameaça destruir 
as expressões iluminadoras.
Planos de evidência insuportáveis
como uma loucura numa zona de perigo. 
Incompreensível humanidade que cria 
uma imagem para tudo
uma impressão de espaço no ar que respiras
ou uma natureza interna 
irradiando atmosferas químicas.
Mapas à procura de uma decifração.
Matéria terrena lançando no ar meditação e delírio.


POEMA

Já nenhuma mente invoca a existência profunda
porque o que é profundo murmura em si 
coisas que não existem.
E as acções mais iluminadas são apenas aparições 
veios de inspiração irrompendo no pensamento
imagens dobradas numa cabeça estremecida. 
É uma fonte de vigilância esta composição da vida: 
fonte cheia de situações tumultuosas.
Vão buscar energias à íntima fecundação da humanidade 
E a tua mente vibra no seu nervo de treva e alvura: 
contemplações magnificadas pela razão.

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