domingo, 2 de dezembro de 2018

[0462] Amândio César, a poesia do antigo regime


Nasceu em Arcos de Valdevez em 1921 e faleceu em Lisboa em 1987. Professor, jornalista, escritor e poeta. Apologista do salazarismo, exilou-se em Espanha em 1975 e depois no Brasil


TUDO

Em surdina chegaste
E em surdina te vais:

— Oh felicidade que baste,
Que nunca bastas de mais!

E eu queria que ficasses,
De tal maneira ficada,
Que nunca mais me trocasses

— Por nada!


QUE HORA É ESTA?

É em vão que o sol doura
As asperezas da terra:
Secou na seara loura
Toda a esperança que ela encerra

Baldadas todas as horas,
Todos os passos sem fim.
Murchou de vez o alecrim,
Secaram roxas amoras.
É quente a água das fontes,
Escalda o sangue nas veias:
São de fogo os grãos de areias
E as pragas negras dos montes.

Para quê lutar ainda
Numa luta sem sentido?
Sofre-se por se ter sofrido
Esta angústia que não finda.

Angústia que sobe à boca
Que amarga como a amargura
— Existência mal segura,
Fazenda que mal dá roupa.

Cansaram-se assim de tudo,
Todos nos pesam demais
— Os poetas são jograis
E o seu cantar quase mudo.


PAR OU PERNÃO

Lançaram-se os dados
no par ou pernão
e uns foram
outros não.

E houve saudades nos que foram
e revolta nos que não:
os que foram não voltaram
os que ficaram cá estão...

Jogaram-se vidas,
como se jogam dados:
olhos sem luz,
membros amputados
e uns foram outros não...

Vida?...  Amor?...
Lançaram-se os dados: Par ou Pernão?

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