sábado, 1 de dezembro de 2018

[0458] José Emílio-Nelson, uma poesia ácida


Pseudónimo de José Emílio de Oliveira Marmelo e Silva, nasceu em Espinho em 1948. É crítico, editor e poeta.


SOBRE O SÁTIRO

Desprende de si os chifres da cabra
Com que cobre a cabeça que uiva.
A carne descarnada
Fez-se músculo. E fez-se brilho.
Reconhece nas águas lúgubres o calcanhar
Que pisa o «falso engano».
Suporta o balanço do esperma como se fosse incenso.
E enfia um olho no fundo das nádegas, outro na testa.
A cegueira não o ajuda a ser
Animal para uma fêmea tremulante.
Raspa, alisa sem descanso, arredonda o que se faz odre.
E no vaso da ostentação enfia o farto couro da cabra.
Cresce-lhe o «grito feminino» entre as pernas marcadas de dureza.
(Não haverá velório para o corpo amputado do seu pénis, seta de cetim.)
Espera em Sodoma que o venham recolher.


MAHLER
(A CANÇÃO DE DEUS E MORTE) 

No jardim das almas
A fala caída.
Como se fosse a canção de
Deus e Morte.
A canção do cadáver
Sombrosa e rente.
Uivo. Brechas.
Ululante.
Compassadamente
O coração solto
Rasgado contra o céu maciço.
E de abismo ou de crateras
Um ardil. Incessante
Profundidade e permanência interminável
Na terra ímpia.
O relâmpago rasteja Deus.
Abre-se a solidão
Nos ombros do Inferno.

Quem vislumbra pérfido
No alçapão da sombra?
E o ricochete da luz?
Que castigo inexpiável?
Haverá uma música da fatalidade?
E quem lhe deve obedecer?
Sou miserável e perturbante.
Dou-me à paisagem destituída.
À árvore devastadora. À borboleta esmagada.
(O restolho enovelando.
Um bestiário precipitando-se.
Sacudindo-me.
Que aurora imprevista
Impulsivamente no mundo?)
Cantava a impaciência
Melancólica.
A dor radiante.

A vastidão.


QUAL TULIPA?

Vês a tulipa rude
Quando outra boca a abandona.
À sua pele aveludada, cintura fina,
Quase a mordes.
A essa tulipa crua, ao esmagá-la,
Não lhe escondes o odor. (Jorra, esguicha.)
Abre-se por dentro, lançada fora.
A desatenção solta-se, lágrima sã de odorosa.
Da embriaguez, não é outra coisa, rude, crua.

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