Eduardo Luís Meneses de Costley White nasceu em Quelimane em 1963 e suicidou-se no Maputo em 2014. Artista multidisciplinar, integrou o movimento literário moçambicano conhecido como “Geração Charrua” aparecido em 1984, crítico da distopia que começava a viver-se no seu país e da poesia do establishment (como ele apontava, atirava “o pau ao gato”, desafiadora). É um dos poetas representados no Museu de Val du Marne (França). Foi Prémio literário Glória de Sant’Anna de 2013.
PAÍS DE MIM
O peso da vida!
Gostava de senti-lo à tua maneira
e ouvi-la crescer dentro de mim,
em carne viva,
não queria somente
rasgar-te a ferida,
não queria apenas esta vocação paciente
do lavrador,
mas, também, a da terra
e que é a tua
Assume o amor como um ofício
onde tens que te esmerar,
repete-o até à perfeição,
repete-o quantas vezes for preciso
até dentro dele tudo durar
e ter sentido
Deixa nele crescer o sol
até tarde,
deixa-o ser a asa da imaginação,
a casa da concórdia,
só nunca deixes que sobre
para não ser memória.
O QUE VOCÊS NÃO SABEM E NEM IMAGINAM
Vocês não sabem
Mas todas as manhãs me preparo
Para ser, de novo, aquele homem.
Arrumo as aflições, as carências,
As poucas alegrias do que ainda sou capaz de rir,
O vinagre para as mágoas
E o cansaço que usarei
Mais para o fim da tarde.
À hora do costume,
Estou no meu respeitoso emprego:
O de Secretário de Informação e de Relações Públicas.
Aturo pacientemente os colegas,
Felizes em seus ostentosos cargos,
Em suas mesas repletas de ofícios,
Os ares importantes dos chefes
Meticulosamente empacotados em seus fatos,
A lenta e indiferente preguiça do tempo.
Todas as manhãs tudo se repete.
O poeta Eduardo White se despede de mim
À porta de casa,
Agradece-me o esforço que é mantê-lo
Alimentado, vestido e bebido
(ele sem mover palha)
Me lembra o pão que devo trazer,
Os rebuçados para prender o Sandro,
O sorriso luzidio e feliz para a Olga,
E alguma disposição da que me reste
Para os amigos que, mais logo,
Possam eventualmente aparecer.
Depois, ao fim da tarde,
Já com as obrigações cumpridas,
Rumo a casa.
À porta me esperam
A mulher, o filho e o poeta.
A todos cumprimentos de igual modo.
Um largo sorriso no rosto,
Um expresso cansaço nos olhos,
Para que de mim se apiedem
E se esmerem no respeito,
E aquele costumeiro morro de fome.
Então à mesa, religiosamente comemos os quatro
O jantar de três
(que o poeta inconsta
Na ficha do agregado).
Fingidamente satisfeito ensaio
Um largo bocejo
E do homem me dispo.
Chamo pela Olga para que o pendure,
Junto ao resto da roupa,
Com aquele jeito que só ela tem
De o encabidar sem o amarrotar.
O poeta, visto-o depois
E é com ele que amo
Escrevo versos
E faço filhos
POEMAS DA CIÊNCIA DE VOAR
Uma mão relampeja na casa da escrita.
Faísca Troveja
Procura um claro instante para a aparição.
Pode-se vê-la correr pelo dorso do papel,
deitada do seu lado ou do seu modo rastejante,
pode-se vê-la provando o ruminante delírio das palavras,
a sua rasante arrumação,
e leva vozes aquela mão em cada delicada passagem,
rítmica, latejante
ou um nervo animal que faz lembrar
a textura pedestre do papel.
Mas a mão voa, explosiva,
e não cai nem agoniza no espaço vibrante onde se comunica.
Voar é um fervoroso recolhimento.
E no que é quase a medida elementar do esquecimento
a escrita navega
num estuário de silêncio.
Escrever é uma droga antiga,
uma bebedeira que queima com lentidão
a cabeça,
traz as luzes desde as vísceras,
o sangue a ferver nas vias tubulantes,
traz a natureza estimulante das paisagens
que temos dentro
Ocorre-me agora
a pupila minúscula de uma criança.
A sua engenharia
desde o corpo na guerreira pequenez
ao dedo provador da boca.
Ocorre-me esta criança
este monge da franqueza em seu templo de inocência.
Amo-a. Vivo-a.
Voar é poder amar uma criança.
Sonhar-lhe o peso no colo, as mãos acariciantes
sobre a palma da alma.
Voar é tardar a boca
na rosa do rosto de uma criança.
Pronunciar-lhe a ternura,
a seda fresca e pura
da sua infância.
Voar é adormecer o homem
na mão sonhadora
de uma criança.
E se o procurarmos? Que não se desespere, pois nunca o iremos encontrar. Algum / sentimento o terá deixado pousar, partido com ele. Estará o verso conosco? Provavelmente apenas a parte que nos coube. Aquietemo-nos. Amainemos esse desejo / de o prendermos.
Não é justo um pássaro
onde ele não pode voar
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