quinta-feira, 15 de novembro de 2018

[0415] Eugénio Lisboa, voz desassombrada


Nascido em Lourenço Marques em 1930. Engenheiro electrotécnico, professor universitário, diplomata, ensaísta, crítico literário e poeta, foi presidente da Comissão moçambicana da UNESCO. Usou também os pseudónimos literários de Armando Vieira de Sá, John Land e Lapiro da Fonseca para se proteger da censura salazarista. Viveu e estudou em Portugal, exerceu funções na África do Sul, em França e na Suécia. Sempre se assumiu como anticolonialista. Distinguido em 2018 com o Prémio Tributo de Consagração.


A MÚSICA DAS CORES
                   
                           ao Ângelo

A pintura; às vezes, sabe ser
uma forma de música: sugere,
no fluxo imparável do acontecer,
que a vida pode não acabar. Fere
o centro de nós mesmos. Amacia
e dissolve tensões que a vida impura,
em tantos momentos, cega, nos cria.
Como a música, é boa a pintura.


PTOLOMEU

Como todos, sou mortal:
minha vida é um dia.
Mas quando sigo, fatal,
no céu que nos alumia,
a multidão das estrelas,
sinto, deslumbrado nelas,
meus pés, do chão, levantar.


POEMA SOBRE LOURENÇO MARQUES REVISITADA

Regresso, mas não regresso
ao paraíso perdido,
ao centro de mim, possesso
de quanto, aqui, retido,
de novo vejo, sem ver,
sendo eu quem já não sou:
mundo outro eu quero haver,
nesta fome em que me dou.
Este mar (a cor, a vida)
durou só o que durou:
a corrida é já perdida
e o barco naufragou.

No entanto, a casa é minha,
mesmo podre e desdourada:
o calor é o que antes tinha,
nela está minha morada!

(O frio é apenas meu
e não da velha cidade:
só em mim esmoreceu
o calor da mocidade.)

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