terça-feira, 16 de outubro de 2018

[0292] NUNO REBOCHO, POEMAS DE TERÇA-FEIRA (2) Nuno Rebocho, poeta "per diem"


Nos intervalos dos afazeres para o seu sustento, Nuno Rebocho poetava quando não pintava, por desfastio. Eram sucedâneos à sua profissão de jornalista que, durante cinquenta anos, ocupou na Imprensa escrita e na rádio. 


COGITAÇÕES DE SÓCRATES DIANTE DE CICUTA

As engenharias adormecem os homens construtores
de barcos e nada como antes se descobre: tudo
se resolve agora na solidão do insólito    Não ter
companhia é a liberdade       do ir ao não ir
da vida ou do suicídio ou do estar por aí    Não ter
companhia é ter        a companhia dos deuses
construídos & dos silêncios que se constroem
As engenharias adormecem os homens
construtores de silêncios

Bebo o líquido da ignorância sem a repugnância dos videntes
: sei que o sol é sempre um lugar e um lugar
um ponto de partida: o que assusta
é a memória e não o projeto: é a incógnita
ainda por consumir: por isso é que
os audazes arrepiam dos caminhos e os temerosos
avançam sem a repugnância dos videntes

Por isso é que hei
-de perguntar cada questão por sua vez    A necessidade
é um ritmo    A vida é um ritmo    A dor é um ritmo    E se
acaso descobrir o que há a descobrir não gritarei aleluias
porque sou um caminhante    - só os olhos constroem
as palavras com a boca de cada qual
Por isso é que nos desentendemos e nos afrontamos
no momento de cada questão por sua vez

E como homero direi: ágil & robusto é o Desvario
que tudo ultrapassa no vale das sombras & da luz
mais rápido do que os homens e em seu prejuízo
As Preces só curam pelas traseiras e quem respeita as filhas
respeita as feridas mais do que a Zeus pois nada
cai no esquecimento nem o filho do Tempo    Só o Tempo
se esquece de si mesmo onde o Desvario o persegue
Aproximam-se as filhas do esquecimento e os votos
caem por terra   Assim seja

O veneno esgota-se na lei e não gritarei eureka
se a chave do impudor me cair nas mãos    Não lhe
ditarei a regra nem o antídoto para que o veneno
se baste a si próprio como lhe compete e as mãos
estejam livres para o silêncio dos combates    Sou
caminhante e os silêncios não guardo, não os reclamo
que me basta na companhia a liberdade de não dizer eureka

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