Nascido no Porto em 1942, Vasco Graça Moura faleceu em Lisboa em 2014.
Advogado, escritor, tradutor, poeta e político, obteve o Prémio Jacinto do Prado Coelho de 1985, o Prémio do PEN Português de Poesia de 1994, o Prémio Pessoa de 1995 e o Grande Prémio de Poesia da APE de 1997.
Foi Secretário de Estado primeiro da Segurança Social, depois dos Retornados, director da RTP2 e da revista “Oceanos”, presidente da Comissão Executiva das Comemorações do Centenário de Fernando Pessoa, da Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses e da Fundação do Centro Cultural de Belém. Eurodeputado durante dez anos.
SONETO DO AMOR E DA MORTE
quando eu morrer murmura esta canção
que escrevo para ti. quando eu morrer
fica junto de mim, não queiras ver
as aves pardas do anoitecer
a revoar na minha solidão
quando eu morrer segura a minha mão
põe os olhos nos meus se puder ser,
se inda neles a luz esmorecer,
e diz do nosso amor como se não
tivesse de acabar, sempre a dor,
sempre a doer de tanta perfeição
que deixar de bater-me o coração
fique por nós o teu inda a bater,
quando eu morrer segura a minha mão.
INSINCERIDADE
quis-nos aos dois enlaçados
meu amor ao lusco-fusco
mas sem saber o que busco:
há poentes desolados
e o vento às vezes é brusco
nem o cheiro a maresia
a rebate nas marés
na costa de lés a lés
mais tempo nos duraria
do que a espuma a nossos pés
a vida no sol-poente
fica assim num triste enleio
entre melindre e receio
de que a sombra se acrescente
e nós perdidos no meio
sem perdão e sem disfarce,
sem deixar uma pegada
por sobre a areia molhada,
a ver o dia apagar-se
e a noite feita de nada
por isso afinal não quero
ir contigo ao lusco-fusco,
meu amor, nem é sincero
fingir eu que assim te espero,
sem saber bem o que busco.
NO OBSCURO DESEJO
no obscuro desejo,
no incerto silêncio,
nos vagares repetidos,
na súbita canção
que nasce como a sombra
do dia agonizante,
quando empalidece
o exterior das coisas,
e quando não se sabe
se por dentro adormecem
ou vacilam, e quando
se prefere não chegar
a sabê-lo, a não ser,
pressentindo-as, ainda
um momento, na aresta
indizível do lusco-fusco.
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