sábado, 13 de outubro de 2018

[0277] Do novo, Olinda Beja

A poeta santomense residente em Portugal, Olinda Beja, regressa a este portal, trazendo vozes que nos reportam à sua ilha. Sempre bem-vinda. Agradecidos ficamos.  


POEMA

rente a cada hibisco rosa como tua língua tempestuosa e doce
a palavra viaja entre adágios de tempo carregada de frutos
sabor a izaquente, a fruta pão no fogo, a água de coco

teu querer indómito, desregrado, desmesurado
água doce em meu salgado mar cascateando a infância
do nosso entardecer
solstício de tempo no eco dolente das nossas marés cheias de doçura

na interdição da mestiça voz com que rejeitas a palavra
esqueces teu porto de águas fundas. Velho sonho de Fernão Dias
no fogo fátuo das nossas madrugadas em nosso intocado
paraíso
na bandeja onde presenteias as longínquas cinzas dos avós
perpassa o vento quente do Shara
útero remoto em nosso aquático chão

volvidos que são sóis e luas e auroras boreais
só tu és o dia e a noite
o tempo e o instante
o minuto e a hora


INTIMIDADES

desces a grota
levas a tua e a minha roupa no quali das lembranças
e és a gravana vestida de saia e quimono
em tuas mãos rodopia o sabão bola bola
com que hás de lavar as nossas fragilidades

dilui-se tua esfinge por entre sombras de solano
o milho cresce no quintal de Sam Lili
a boca devora espigas de ouro na madrugada fresca

konobia sempre te acompanha nas margens do alvorecer
tanges mussumbas, chocalhos, canzás
enquanto de tua voz se soltam árias de um socopé de antanho
e teu corpo se balouça como se menina fosses na floresta virgem

no regresso a casa trazes milho doce e a luz de uma kafuka
bruxuleia em tua mão fremente

nunca vislumbrei o rio onde cantavas
ao meu peito chegavam apenas resquícios de tua voz dorida

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