terça-feira, 18 de setembro de 2018

[0139] Mia Couto, a nova poesia moçambicana


Pseudónimo de António Emílio Leite Couto, Mia Couto nasceu em 1955 na Beira, Moçambique, transferindo-se para Lourenço Marques (actual Maputo) para prosseguir estudos universitários. Biólogo, jornalista, escritor e poeta foi Prémio Camões em 2013. Director da Agência de Informação de Moçambique e director da revista “Tempo”.


PARA TI

Foi para ti
que desfolhei a chuva
para ti soltei o perfume da terra
toquei no nada
e para ti foi tudo

Para ti criei todas as palavras
e todas me faltaram
no minuto em que talhei
o sabor do sempre

Para ti dei voz
às minhas mãos
abri os gomos do tempo
assaltei o mundo
e pensei que tudo estava em nós
nesse doce engano
de tudo sermos donos
sem nada termos
simplesmente porque era de noite
e não dormíamos
eu descia em teu peito
para me procurar
e antes que a escuridão
nos cingisse a cintura
ficávamos nos olhos
vivendo de um só
amando de uma só vida.


IDENTIDADE

Preciso ser um outra
para ser eu mesmo

Sou grão de rocha
Sou o vento que a desgasta

Sou pólen sem inseto
Sou areia sustentando
o sexo das árvores

Existo onde me desconheço
aguardando pelo meu passado
ansiando a esperança do futuro

No mundo que combato morro
no mundo por que luto nasço.

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