sábado, 11 de junho de 2022

[0768] Um profeta, o deserto e uma orquestra de estorninhos, por Luís Palma Gomes




O PROFETA IMPOSSÍVEL


Vais até à margem que é o centro

para que as tuas mãos toquem coisas intocáveis.

Tentas convencer-te de que regressas com elas.

Se elas vêm ou não, nunca sabes.

Há realmente indícios de uma presença estrangeira

em alguns gestos que fazes sem querer,

em palavras que te escapam

como os pardais que guardamos crédulos em gaiolas.


Se, porém, quando voltas ao deserto

tudo está por lá outra vez,

é certo que nunca levaste nada para casa.


E se não trazes contigo as profecias,

então para que te servem os jejuns de poeira e gafanhotos?

Ou mesmo as sandálias, senão como lugar-comum

de uma adiada humildade?


Apenas quando olhas o bando de estorninhos

negros e empoleirados como uma orquestra,

compreendes que a música dos pássaros

não pode ser tocada nos coretos da cidade.

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