segunda-feira, 22 de julho de 2019

[0679] Pepita Tristão publica pela primeira vez em Ibn Mucana, ela que já é bem nossa conhecida no blogue "Contos da Tinta Permanente"


CINZAS
                    (À minha mãe)


Foste frágil avezinha, saltitante
entre pétalas vermelhas de negra bomba,
caçula indefesa na selva inquietante
em tempos de fome, jogando à comba

Desabrochastes entre medos e alegrias,
no conforto da fé pueril e da mantilha
entre as gardénias de Machin e outras fantasias
dedilhaste paixões na tua guitarrilha

Moçoila atrevida – olé touro! - salerosa,
batom de sangue, rodopiando pela vida
rosa nos cabelos, morena misteriosa
desconcertante, recatada, explosiva.

Um dia encontraste-o. Deslumbramento!
Seguiste-o, cega, nos enleios do amor
apenas vendo rosas no caminho lento
pairando, sem sentir dos espinhos a dor

Despertaste do sonho num lar estranho
intrusa, estrangeira, incompreendida
lutaste, apagando as marcas do antanho
enquanto florescia em ti nova vida.

Já mãe, viveste alegrias e tristezas
na vida que pouco sorriu ao teu sonhar
Com as asas cortadas e poucas certezas
a esperança feneceu no teu olhar

Soltas amarras. Surge a Fénix ávida de vida.
Livre, perdeste o ter, ganhaste o Ser.
És mulher, mãe, companheira, amiga
e se soubesses lutar, poderias renascer.

Chegam os netos, promessas, esperança,
deleites renovados, sonhos e trabalhos.
Inexorável, castigador, o tempo avança
o corpo sente quando chega o orvalho.

A vida declina – onde estão as andorinhas?
Escoa-se o tempo. Azafamam-se as parcas.
Começaste a morrer no tempo das vinhas,
não quero que sofras não quero que partas.

A infame, chegou de mansinho... e te levou,
arrancando-te de meus braços, impotentes
e sem piedade o teu ser se transformou
nestas cinzas ainda quentes

7 de Março 2017

"Mother and Child", Mary Cassatt, c. 1889, CMA, EUA

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