terça-feira, 2 de julho de 2019

[0662] NUNO REBOCHO, POEMAS DE TERÇA-FEIRA (28) Nuno Rebocho, o cabo-verdiano adoptivo


Do seu último livro, “Rotxa Scribida”, fica aqui um dos poemas

AS PALAVRAS SÃO A MEDIDA DO TEMPO

quando buzinam os táxis da tristeza
digo-te irmã rabidante
que é duro o pão
da solitude. falo-te das coisas
que o horizonte esconde
e o sol oculta: o sal da insularidade cresta
a pele e o corpo adoça-se na praia
da malícia; o verde queima o interior
na aurora da chuva
e a clandestinidade dos sonhos
rega a liberdade.

eu sei que as palavras morrem camaradas.

as lápides da memória adejam
como gaivotas e são as cicatrizes dos dias.
irmã rabidante
o sangue da internet percorre as artérias
deste silêncio desde o pulmão da saudade
das coisas que nunca acontecem
enquanto o bolor vigia
a doença em cada ilha e tu adormeces
como bolacha de s. vicente
no balcão da padaria:
o mercado não vende a terra longe.

eu sei que as palavras vivem companheiras.

então o som da mandioca desperta-me para ti
irmã rabidante
e eu percebo que é mais amargo o teu pão
do que a minha tristeza - o sabor
da camoca não apaga os vazios que separam
as dores diferentes: eu sofro ausências
e tu quebras os dentes na pedra dos dias.
tu contabilizas o porco
e eu filtro a paisagem
com o minucioso cuidado do sentimento
entre um golo de uísque e as melancolias.

eu sei que as palavras são a medida do tempo

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