Nos seus périplos pelo mundo, o autor viveu a Páscoa andaluza e vibrou com o seu especial ambiente, apesar de ser, por tradição e formação, um afirmado ateu.
NOITES ANDALUZAS
1.
vai a morte calçada de trinta pés
e cerzida no choro das viúvas -
ela vai a molhar-se mais de chuvas
que de cruzes ou de incensos ou de fés.
como um clamor sobre um soluço de clarinetes
a morte destapa-se do suor dos cansaços
com que a transporta a raiva de trinta braços
com que a desejam na batalha mil ginetes.
vai a morte. lá vai lenta e roxa
ondulada e lenta quase coxa.
atrás vem a voz e vem a virgem
e um coro branco: a cor da origem.
passo a passo o lamento alcança
a semente que desperta em regaço verde:
é o senhor da morte que caminha e balança
sobre pés sem limites a própria sede.
2.
abandonaste a morte entre as oliveiras
onde os grãos da primavera humedeciam:
as culpas zelavam e pariam solteiras
com as dores amarelas que os olhos escureciam.
em cada etapa a vida era vinho novo,
goles de alegria que as gargantas assolavam.
na vida todas as mortes todas se apagavam
e trôpegas de tão fartas envileciam.
e as bocas? as brasas cantavam e despertavam
em ocos murmúrios de grossos rios
que nas ruas com traves de silêncios se barricavam
dos assaltos das paixões nos olhos claros;
morria então a morte em tanto vício e canto
que o baile adormecia. que já era vida a morte
e era sal o sol com rouco espanto
da noite que no dia mergulhava e esmorecia
3.
(o jardim dos perfumes)
atiro o problema para trás das costas
mas as macieiras descobrem-me: sou a sombra
e o murmúrio. e se calço as alpergatas do silêncio
sobra-me o espanto. por então falo
das coisas corriqueiras que me acontecem
- ou o tépido beijo da morte
a limpidez das madrugadas sóbrias
os olhos dos planetas que escurecem
ou a morte súbita dos rios amarelos.
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