sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

[0587] Zé da Luz, a poesia de cordel


Nome artístico de Severino de Andrade Silva, poeta popular brasileiro nascido em Itabaiana, na Paraíba, em 1904, e falecido no Rio de Janeiro em 1965. Alfaiate de profissão e poeta popular, publicava suas obras em forma de literatura de cordel.


A CACIMBA

Tá vendo aquela cacimba
Lá na bêra do riacho,
Im riba da ribancêra,
Qui fica, assim, pru dibaxo
De um pé de tamarinêra?
Pois, um magote de môça
Quage toda menhanzinha,
Foima, assim, aquela tuia,
Na bêra da cacimbinha
Tomando banho de cuia!
Eu não sei pru quê razão,
As águas dessa nacente,
As águas qui alí se vê,
Tem um gosto deferente
Das cacimba de bêbê…
As águas da cacimbinha
Tem um gôsto mais mió.
Nem sargada, nem insôça…
Tem um gostim do suó
Dos suvaco déssas môça…
Quando eu vejo essa cacimba,
Qui inspio a minha cara
E a cara torno a inspiá,
Naquelas águas quilara,
Pego logo a desejá…
…Desejo, pra que negá?
Desejo ser um caçote,
Cum dois óio desse tamanho!
Pra vê, aquele magóte
De môça tumando banho!


AS FLÔ DE PUXINANà                  
                           
                              (paródia de 'As Flô de Gerematáia', de Napoleão Menezes)

Três muié ou três irmã,
Três cachorra da molesta,
Eu vi num dia de festa,
No lugar Puxinanã.
A mais véia, a mais robusta
Era mesmo uma tentação!
Mimosa flô do sertão
Que o povo chamava Ogusta.
A segunda, a Guléimina,
Tinha uns ói que ô! maldição!
Matava qualquer cristão
Os oiá dessa menina.
Os ói dela parecia
Duas estrela tremendo,
Se apagando e se acendendo
Em noite de ventania.
A terceira, era Maroca.
Com um corpo muito malfeito.
Mas porém, tinha nos peito
Dois cuzcuz de mandioca.
Dois cuzcuz que, por capricho,
Quando ela passou por eu,
Minhas venta se acendeu
Com o cheiro vindo dos bicho.
Eu inté me atrapaiava,
Sem saber das três irmã
Que eu vi em Puxinanã,
Qual era a que me agradava.
Escolhendo a minha cruz
Pra sair desse embaraço,
Desejei morrer nos braços,
Da dona dos dois cuzcuz!


A TERRA CAIU NO CHÃO

Visitando o meu sertão
Que tanta grandeza encerra,
Trouxe um punhado de terra
Com a maior satisfação.
Fiz isso na intenção,
Como fez Pedro Segundo,
De quando eu deixasse o mundo
Levá-lo no meu caixão.
Chegando ao Rio, pensei
Guardá-lo só para mim
E num saquinho de brim
Essa relíquia encerrei!
Com carinho e com cuidado
Numa ripa do telhado,
O saquinho pendurei…
Uma doença apanhei
E vendo bem próxima a morte
Lembrando as terras do norte
Do saquinho me lembrei.
Que cruel desilusão!
As traças, sem coração
Meterem os dentes no saco,
Fizeram um grande buraco
E a terra caiu no chão.

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