domingo, 16 de dezembro de 2018

[498] Murilo Mendes, o poeta da liberdade


Nasceu em Juíz de Fora (Minas Gerais) em 1901 e faleceu no Estoril (Portugal) em 1975. Um dos poetas do Movimento Antropofágico (Segundo Tempo Modernista), inspirando-se no cubismo, assumindo depois a influência surrealista e posteriormente do concretismo. Viveu na Bélgica e na Holanda e foi professor em Itália (Universidade de Roma). Recebeu o Prémio Graça Aranha de 1930 e o Prémio Internacional de Poesia Etno-Taormina de 1972.


SOLIDARIEDADE

Sou ligado pela herança do espírito e do sangue
Ao mártir, ao assassino, ao anarquista.
Sou ligado
Aos casais na terra e no ar,
Ao vendeiro da esquina,
Ao padre, ao mendigo, à mulher da vida,
Ao mecânico, ao poeta, ao soldado,
Ao santo e ao demônio,
Construídos à minha imagem e semelhança.


POEMA ESPIRITUAL

Eu me sinto um fragmento de Deus
Como sou um resto de raiz
Um pouco de água dos mares
O braço desgarrado de uma constelação.

A matéria pensa por ordem de Deus,
Transforma-se e evolui por ordem de Deus.
A matéria variada e bela
É uma das formas visíveis do invisível.

Na igreja há pernas, seios, ventres e cabelos
Em toda parte, até nos altares.
Há grandes forças de matéria na terra no mar e no ar
Que se entrelaçam e se casam reproduzindo
Mil versões dos pensamentos divinos.
A matéria é forte e absoluta
Sem ela não há poesia.


REFLEXÃO N.° 1

Ninguém sonha duas vezes o mesmo sonho
Ninguém se banha duas vezes no mesmo rio
Nem ama duas vezes a mesma mulher.
Deus de onde tudo deriva
E a circulação e o movimento infinito.


Ainda não estamos habituados com o mundo
Nascer é muito comprido.


CANTO A GARCÍA LORCA 

Não basta o sopro do vento
Nas oliveiras desertas,
O lamento de água oculta
Nos pátios da Andaluzia.

Trago-te o canto poroso,
O lamento consciente
Da palavra à outra palavra
Que fundaste com rigor.

O lamento substantivo
Sem ponto de exclamação:
Diverso do rito antigo,
Une a aridez ao fervor,

Recordando que soubeste
Defrontar a morte seca
Vinda no gume certeiro
Da espada silenciosa
Fazendo irromper o jacto

De vermelho: cor do mito
Criado com a força humana
Em que sonho e realidade
Ajustam seu contraponto.

Consolo-me da tua morte.
Que ela nos elucidou
Tua linguagem corporal
Onde el duende é alimentado
Pelo sal da inteligência,
Onde Espanha é calculada
Em número, peso e medida.


MURILOGRAMA PARA MALLARMÉ 

No oblíquo exílio que te aplaca
Manténs o báculo da palavra

Signo especioso do Livro
Inabolível teu & da tribo

A qual designas, idêntica
Vitoriosamente à semântica

Os dados lançando súbito
Já tu indígete em decúbito

Na incólume glória te assume
MALLARMÉ sibilino nome

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