quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

[0522] Vergílio Alberto Vieira, a poesia translúcida


Nascido em Amares em 1950. Professor, escritor, dramaturgo, crítico literário e poeta, ganhou o Grande Prémio da Literatura de 2001 e 2003, além dos prémios Correntes d'Escritas, Cidade de Almada, DST-Braga, Teixeira de Pascoaes, Florbela Espanca, Manuel da Fonseca, Sebastião da Gama, Natércia Freire, Maria Rosa Colaço, António Cabral, entre outros. 


O INVENTOR DE RIOS

Atraídos ao engano,
Pelo homem, que os esqueceu,
Sobem à terra, que o ano
A terra desmereceu.
O sol bebe-lhe o sangue;
Cansa-a, de fome, o arado.
Pobre terra, terra exangue,
Quem, pois, lhe dará cuidado.
Terá, o homem, o que quer,
Quando aperta a carestia,
Se assim a Deus aprouver
Como ao pão de cada dia.
Nasça, das mãos, a promessa
De outro tempo, outra vontade.
Qual jornada que começa,
Quando a vida é novidade.
Nasçam mares, onde o deserto
Castigou quem nada tem,
P’ra que o mundo então liberto
Não seja terra de alguém.
Inventem-se novas ‘speranças,
Novos caminhos, sinais,
Laços de amor, alianças,
Entre povos imortais.


POEMA

Venho de Elêusis a inefável
onde o arco de Hélios
Me revelou em sonho o rosto de Perséfone
No relastérion
Essa presença esquiva espero agora
Sem cessar sou jovem
A beleza persigo na terra com ardor
Das coisas feitas apenas sei
O que a um deus
Presságio algum proibe
Das coisas ditas o que a ouro debruam
As paisagens
Enquanto Perséfone escrutina
O trevo e a morte


A ÁRVORE DO VIAJANTE

Do génio a que deu abrigo,
Sem ser por obrigação,
Ninguém sabe, ser amigo
Não exige condição.
Para o que casa não tem,
É sempre longa a viagem.
Dar, pois, sem olhar a quem,
Que caminho é passagem.
Por muito mais receber,
A seu favor o que dá
Nada lhe falta para ser
Quem mais tem, se nada há.
Sombras podia vender
Aos que o sol castigava,
Mas antes pôr a render
Consolo a quem passava,
Deserdado, peregrino,
Andarilho, mercador,
Umas vezes, sem destino
Buscando seja o que o que for;
Outras, terras demandando,
Da promissão desejada
Que não se sabe até quando
Um dia, nos leva a nada.

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