domingo, 11 de novembro de 2018

[0401] António Salvado, a expressão da simplicidade


António Forte Salvado nasceu em Castelo Branco em 1936. Poeta, escritor, ensaísta e museólogo, foi director do Museu Tavares Proença Júnior. Recebeu o Prémio Fernando Cinaglia de 1980


PERDER

Perder é começar. A minha vida
foi movimento em cerne opaco e frígido...
E quando sei que este momento eterno
em mim percorre sulcos, veias, sonhos,
outro momento abraça-me o porvir —
e desconheço a margem onde navegar,
onde aportar o peso do caminho.

Perder é começar. Por isso a ténue sombra
desenha no sigilo os abismais instantes
onde existiu, uma vez, qualquer destino exacto.


NOSTALGIA

A pequena flor
só que além nasceu
sonhou ser maior:
nada lhe valeu...

Na cova esquecida,
sol que desejou
não a bafejou,
bastarda da vida...

E era flor ou gente?
Esquecida imperfeita
numa dor silente
ali jaz desfeita!


OS AMANTES

Encheram profunda taça e envolveram-se em fervor.
Ficou-lhes na boca — presa ao crescente desejo
de mais beberem, de mais conhecerem — o sabor
da outra Vida maior, onde os levara o ensejo
de ultrapassarem a carne. Em solidão limitados,
num barco sem dia a dia, compromissos ou tratados,
singram velozes sem tempo, definidos pela estrela
que lhes indica, serena e nitidamente, o norte.

Encheram de novo a taça; incha mais a panda vela.
E para serem iguais, apenas lhes falta a Morte!

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