sábado, 27 de outubro de 2018

[0336] Pedro Tamen, poesia a roçar o clássico

Pedro Mário de Alves Tamen nasceu em Lisboa em 1934. Tradutor e poeta, foi um dos fundadores do Centro Cultural de Cinema, director da Moraes Editora e Presidente do Pen Clube Português e administrador da Fundação Calouste Gulbenkian. Recebeu o Prémio D. Dinis de 1981, o Grande Prémio INAPA da Poesia de 1991, o Prémio Bordalo de Literatura da Casa da Imprensa de 2000, o Prémio P.E.N. Clube Português de Poesia de 2001, o Prémio de Poesia Luís Miguel Nava de 2006, o Grande Prémio de Poesia APE/CTT de 2010 e o Prémio Literário Casino da Póvoa de 2011.


TROCO-ME POR TI

Troco-me por ti
Na brasa da fogueira mal ardida
renovo o fogo que perdi,
acendo, ascendo, ao lume, ao leme, à vida.

E só trocado, parece, por não ser
na verdade conjugo o velho verbo
e sou, remido esquartejado,
o retrato perfeito em que exacerbo
os passos recolhidos pelo tempo andado


SEM TÍTULO

Acocorado como estava o escriba,
só não escrevendo, mas escravo sou
da matéria animal que do distante campo
veio curtida com ecos de verdura
e de tão lenta, infinda paciência.
Como ele cumpro destino de invenção,
de leve e não sabida descoberta
do mundo incompleto.
Mundo incompleto, e certo,
esse que preenche a minha cave
e lhe rasga as paredes.


O PONTO

Não dizer, não ditar,
não fazer, não ser,
não ser destino ou presciência,
estar mais escuro que o escuro,
nulo, coisa nada.
Não ponto nem desponto,
não há caixa onde o vazio caiba.

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