sábado, 20 de outubro de 2018

[0304] Raul de Carvalho, a voz incómoda


Raúl Maria de Carvalho nasceu em Alvito em 1920 e faleceu no Porto em 1984. Farmacêutico, fotógrafo, pintor e poeta na tradição modernista, conjugou a sua formação neo-realista com a inspiração surrealizante. Homossexual assumido, foi militante comunista. Director da revista “Árvore”, extinta pela cnsura salazarista, foi Prémio Simon Bolívar de 1956. A sua casa foi assaltada e roubada pela PIDE pouco depois da sua morte em resultado de um ataque cardíaco. Todos os seus inéditos se perderam. 


TODAS AS HORAS

Todas as horas, todos os minutos,
São para mim a véspera da partida.

Preparo-me para a morte, como quem
Se prepara para a vida.

Em qualquer parte eu disse que a Beleza
Não nasce só mas sim acompanhada.

Não são palavras minhas as que eu digo.
À minha boca pertence aos que me amam.

Mudos e sós.
À nossa volta todos os amantes
Sentir-se-ão tranquilos.
Um coração puro
É como o Sol:
Brilha todos os dias.


INTERROGAÇÃO

Ao Lagoa Henriques
Ao Carlos Amado
Estar morto
E ainda verde,
Como as primeiras folhas
Caídas no Outono,
Seré esse
O destino
Dos Poetas?


PERCAM PARA SEMPRE

Percam para sempre as tuas mãos o jeito de pedir.
Esqueça para sempre a tua boca
O que disse a rezar.
E os teus olhos nunca mais, nunca mais saibam chorar
Porque é inútil.

Faz como os outros fizeram
Quando chegou o momento
De perder o medo à morte
Por ter muito amor à vida.

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