segunda-feira, 1 de outubro de 2018

[0231] Floriano Martins, o sentido em movimento


Ensaísta, tradutor, editor, poeta e divulgador da poesia, Floriano Martins nasceu em Fortaleza em 1957. Autor de vasta bibliografia. Dirige com Cláudio Willer a revista “Agulha” e é conselheiro editorial da revista “Poesia Sempre”.


TEUS BEIJOS

Teus beijos ensaiam uma alegoria em meu dorso.
Eu os sinto como árvores dançando, flamejantes
pétalas, constelação de árvores em plena colheita
a sussurrar: todo homem é uma recriação.

Apontas uma cidade longe em minha vertigem.
Vendaval de migalhas, ilhas cegas, velhos
mapas que não contavam com teu desamparo.
O amor gira sempre em torno de si mesmo.

Passa por aqui a galope o teu sexo emocionado,
tua piedade de Deus bicada de remorsos.
Um castelo agitado repleto de males menores
e o vestido de baile de tua primeira ilusão.

Passam máscaras como um pranto de roedores
e luzes afogadas em poços da mais meiga solidão.
Um único personagem em ti se atreve a falar
e me acusa de jamais haver saído do poema.

Aqui estou eu desfeito em verso, mal recriado,
e sem saber como evitar voltar a ser o que sou.


PRIMEIRO ESBOÇO

Quem te envia, diluviana forma que me extravasa?
Não és um disparate, suponho, ou mesmo
o começo de uma nova história. Hábil conduzes
as imagens secretas de muitos martírios.
Sinto-me fausta criatura ao receber-te em casa.
Parecem não te importar as perguntas que faço.
Reinas em qual floresta, em qual enigma de folhas?
Para atender a qual desígnio deves me levar contigo?
Avilta-me a proteção do morto. Dispenso-te
as núpcias, as leis do entranhado sacrifício.
Mas podes repousar da longa viagem, quem sejas,
enquanto me sucedem os aforismos de teu corpo.


OUTRAS FORMAS DE EXTRAVIO

Qual o sopro queimante de tua eternidade?
Agora estamos para a medida da ruptura.
Tomar nota do vôo para identificar a ave,
os soluços do fogo que soa feliz em sua função.
Agora é indagar da virgem por onde percorrer
a chama de sua origem, o mergulho incerto
nas pálpebras espelhadas de tantas visões.
Para ela, todo sentido é movimento. Mais breve
aquele que lhe toque antes que o perceba.
Desata-se a animada criatura em aparições,
velada por seus ídolos, que não nadam
(nadam) como as criaturas de Santa Teresa.
Apenas o rio, circundado pela sombra
de seu fino papiro que se escreve a si mesmo,
mares a fio. Quem te envia, se não queres
ser a medida de teu próprio extravio?

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