sexta-feira, 28 de setembro de 2018

[0216] António Ramos Rosa


António Ramos Rosa nasceu em Faro em 1924 e faleceu em Lisboa em 2013. Poeta, tradutor e desenhador, Ramos Rosa recebeu o Prémio de Tradução de 1976, o Prémio do Centro Português da Associação Internacional de Críticos Literários de 1980, o Prémio do PEN Clube Português de Poesia de 1981 e 2006, o Prémio Jacinto Prado Coelho de 1987, o Prémio Pessoa de 1988, o Grande Prémio de Poesia APE/CTT de 1989 e 2005, o Grande Prémio Sophia de Mello Breyner Andresen de 2005 e Prémio de Poesia Luís Miguel Nava de 2005. Um dos fundadores da revista “Árvore”


VISTE O CAVALO VARADO A UMA VARANDA?

Viste o cavalo varado a uma varanda?
Era verde, azul e negro e sobretudo negro.
Sem assombro, vivo da cor, arco-irís quase.
E o aroma do estábulo penetrando a noite.
Do outro lado da margem ascendia outro astro
como uma lua nua ou como um sol suave
e o cavalo varado abria a noite inteira
ao aroma de Junho, aos cravos e aos dentes.
Uma língua de sabor para ficar na sombra
de todo um verão feliz e de uma sombra de água.
Viste o cavalo varado e toda a noite ouviste
o tambor do silêncio marcar a tua força
e tudo em ti jazia na noite do cavalo.


SEM SEGREDO ALGUM

Rodeio-te de nomes, água, fogo, sombra,
vagueio dentro das tuas formas nebulosas.
Como um ladrão aproximo-me entre palavras e nuvens.
Não te encontrei ainda. Falo dentro do teu ouvido?
Entre pedras lentas, oiço o silêncio da água.
A obscuridade nasce. Tens tu um corpo de água
ou és o fogo azul das casas silenciosas?
Não te habito, não sou o teu lugar, talvez não sejas nada
ou és a evidência rápida, inacessível,
que sem rastro se perde no silêncio do silêncio.
O que és não és, não há segredo algum.
Selvagem e suave, entre miséria e música,
o coração por vezes nasce. As luzes acendem-se na margem.
Estou no interior da árvore, entre negros insectos.
Sinto o pulsar da terra no seu obscuro esplendor.


NA GRANDE CONFUSÃO

Na grande confusão
deste medo
deste não querer saber
na falta de coragem
ou na coragem de
me perder me afundar
perto de ti tão longe
tão nu
tão evidente
tão pobre  como tu
oh diz-me quem sou eu
quem és tu?

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