quarta-feira, 26 de setembro de 2018

[0202] José Pascoal, a poesia refugiada


José Pascoal nasceu em 1953 em Cambelas, Torres Vedras. Poeta português pouco conhecido, vem publicando poesia desde 1972


CÓLERA

A palavra cólera
Tem dois significados,
Ambos doentios.

Deve ser a primeira vez
Que a escrevo num poema.

Há uma primeira vez para tudo,
Até para não voltar a escrever
A referida palavra.


LEITURA OBRIGATÓRIA

O gato passeia
Entre os livros de poesia
Espalhados sobre a mesa.

Acaba por se enroscar
Numa edição ilustrada
D`Os Lusíadas.

Não sei o que ele pensa das epopeias.
Eu também não penso nada
Das elegias.

Mal sabe ele que
Os livros de poesia estão cheios de gatos
Como os pratos da louça de Sacavém.


O LAGARTO PINTADO

Um lagarto pintado
No chão rosado
Vive ao sol sem perder
O sangue-frio,
Chama-se Onofre,
Nome de santo
Ou de catástrofe,
Ele não se aborrece
Com o nome que lhe dão
Os animais de sangue quente.


TÉCNICA DA TRISTEZA

Paradas,
As cadeiras esperam o convite
Para que nos sentemos nelas.
As cadeiras não têm coração.
São máquinas dispostas a tudo.
Sento-me numa e lembro-me
Como quem não respira.
Não tenho nenhuma palavra a deixar
Aos meus.

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