domingo, 23 de setembro de 2018

[0181] Nuno Rebocho, vadio de dois mundos


Preso cinco anos pelo fascismo português devido à sua actividade política antifascistas e à sua oposição às guerras coloniais, Nuno Rebocho fez-se, por desforra, peregrino de mundos. Foi adjunto de Ministros, assessor de Secretários de Estado em Portugal e de uma Câmara Municipal em Cabo Verde. Foi nomeado assessor lusófono pela Korsang di Melaka e Cidadão Honorário de Ribeira Grande de Santiago (dita Cidade Velha, na ilha de Santiago, Cabo Verde, Património Mundial da UNESCO). 


CANÇÃO DA GUARDIA CIVIL MOTORIZADA

a guardia civil motorizada
roía a estrada com olhos de coruja:
era de nuvens a montanha
era de amarelos a estrada.
corria na alcatroada a luz da uva,
ventos que vinham de andorra
com amores de olhos leves
- fia-te na virgem não corras
como correm os almocreves.

estrada abaixo estrada acima
a guardia civil vigiava
estradas que foram de guerras
estradas que foram minadas.
alfazemas molhavam as terras
os ventos ceifavam colinas
nas estradas que vinham de andorra
ebro abaixo segre acima:
ai   fia-te na virgem e não corras

como correram espingardas
com azuis de lavanda
e tiros de verdes vinhas
nas estradas que vinham de andorra
por onde já machado não vinha.
mas vinham os ventos das lavras
que a guardia civil cirandava
nas estradas de quem lá anda
ai   fia-te na virgem e não corras

de quem lá vive   de quem lá corre
com pressas de não chegar
de quem se gasta e de quem percorre
caminhos de voltar ao mar:
ai amores que fazem estrada
pela guardia civil vigiada
- correm mortes na alcatroada
das histórias que ouvi contar
ai   fia-te na virgem e não corras

estórias de espanha   ventos de espanha
espadas de sangue e de lua
de toiros que morriam bravos
como a morte morre nua
nas estradas de qualquer lugar.
a guardia civil cirandava
dois a dois       par a par
com jogos de artimanha
na montanha de nunca lá chegar

a guardia civil motorizada
não sabia de machado nem das vinhas
pelo ebro desencaminhadas:
passavam os carros de brasa
as águias descobriam caminhos.
assim se faziam as estradas
que vinham de andorra ao mar
por lavras de guerra cortadas
nas memórias que ouvi contar.


Sem comentários:

Enviar um comentário